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Bullying, um mal que pode ser reparado

Texto extraído de: http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/101/artigo25021-1.asp .

BULLYING UM MAL QUE PODE SER REPARADO
Agressão moral praticada por crianças e jovens, este fenômeno já atinge 45% dos estudantes de ensino fundamental no Brasil. Para combater essa triste estatística, as escolas apostam em atividades como brincadeiras e viagens que incentivem a socialização dos alunos.

'"Cabeção", "Quatro olhos", "Rolha de poço", "Pelé". Expressões como estas e muitas outras são comumente ouvidas entre crianças e adolescentes, especialmente no ambiente escolar. As brincadeiras e gozações entre estudantes são hábitos tão comuns e antigos que, talvez por isso não recebam a atenção adequada. Ações que parecem inofensivas podem ser um fenômeno cruel denominado bullying. O termo não tem tradução para o português, mas é a definição de prática de maus tratos, opressão e humilhação entre jovens e crianças. "O comportamento agressivo entre estudantes é um problema universal, tradicionalmente admitido como natural e freqüentemente ignorado ou não-valorizado pelos adultos" afirma o pediatra e coordenador de bullying da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia), dr. Aramis Antônio Lopes Neto. Estudos comprovam que o comportamento violento e ações que hostilizam e excluem os colegas é um câncer social que precisa ser tratado da mesma maneira que os vícios em álcool ou drogas.

CONVIVENDO COM AS DIFERENÇAS

A pluralidade racial é uma das principais características da sociedade brasileira. E, por isso, um ingrediente que apimenta ainda mais as relações e conflitos escolares. "Sabemos que há um tratamento grosseiro, discriminatório, de piadas, apelidos infames que as crianças negras recebem dentro da sala de aula" diz o advogado, jornalista e editor do site Afro Press, Dojival Vieira. "As consequências são as altas taxas de repetência, faltas e evasão escolar" conclui. "O racismo pode ser uma forma de bullying, a pluralidade racial gera um grande problema nas escolas e as manifestações discriminatórias são muito comuns" diz o dr. Lopes Neto. "O branco discrimina o mulato, que discrimina o negro, os que têm sotaque também sofrem discriminação" conclui. A rejeição às diferenças é um fato descrito como de grande importância na ocorrência de bullying mas não é o principal. As vítimas podem ser negras, orientais, indígenas, brancas, gordas, magras, altas ou baixas. A falta de auto-estima é que pode potencializar a ação dos agressores. "Geralmente são pessoas frágeis, inseguras, que se sentem desiguais e não encontram apoio na família ou na sociedade" continua o dr. Lopes Neto. Considerando que a maioria dos atos de bullying ocorre fora da visão dos adultos e que grande parte das vítimas não reage ou fala sobre a agressão sofrida, pode-se entender por que, embora esse seja um mal silencioso que se alastra por todas as instituições de ensino do mundo, professores e pais tenham pouca percepção da prática, subestimam a sua prevalência e atuam de forma insuficiente para a redução e interrupção dessas situações. "Infelizmente o bullying apesar de suas conseqüências danosas às suas vítimas é pouco denunciado, quer seja no ambiente escolar, quer na delegacia" constata a titular da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, Margarette Barreto. "Os menores de 18 anos que cometem crime de racismo, de constrangimento ilegal, ou lesão corporal que são os mais comuns em decorrência do bullying estão sujeitos às penas contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente". O dr. Lopes Neto, acredita por exemplo que as escolas possam ser penalizadas: "A instituição é responsável pela exposição das crianças e adolescentes às agressões físicas e morais, com base na sua omissão na proteção dessas vítimas". As medidas preventivas de conscientização são consenso entre os especialistas como forma de diminuir a incidência da violência entre pares.

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NÃO TEM GRAÇA NENHUMA

Bullying é um comportamento agressivo realizado repetidamente e de forma intencional, sem causa aparente, por um estudante, ou um grupo deles, contra outro(s), causando dor ou angústia e executado dentro de uma relação desigual de poder - os valentões da escola, por exemplo. Isso pode acontecer por meio de agressão física, ameaças, ofensas morais, isolamento, exclusão, roubos, furtos, danos materiais, cobrança por segurança, difamação e entre outras coisas. Os primeiros estudos sobre o assunto surgiram há duas décadas na Europa. Ainda há poucos indicadores das ações de bullying no Brasil. Mas pesquisas feitas em 2000 pela Unesco com jovens de diversas cidades do país mostraram que cerca de 60% dos jovens na faixa etária de 14 a 19 anos de idade foram vítimas de algum tipo de violência no ambiente escolar. "Os primeiros trabalhos ficaram restritos aos meios acadêmicos" argumenta o dr. Lopes Neto. "A partir de 2000 a pesquisadora Cléo Fante fez um levantamento em São José do Rio Preto, interior de São Paulo e em 2002 a Abrapia desenvolveu seu projeto no Rio de Janeiro". Tanto as pesquisas internacionais quanto as realizadas aqui trazem a mesma conclusão: as vítimas de bullying podem sofrer de depressão, insegurança, problemas escolares ou síndrome do pânico. Casos mais extremos podem levar a ações violentas que culminem em homicídios ou suicídios. Quando não há intervenções efetivas contra o bullying, o ambiente escolar torna-se totalmente contaminado e todas as crianças, sem exceção, são afetadas negativamente, passando a experimentar sentimentos de ansiedade e medo.

O exemplo dos jovens Eric Harris e Dylan Klebold, descreve dramaticamente a dimensão da gravidade: os estudantes da Columbine High School, no Colorado, EUA, mataram 13 colegas e depois se suicidaram. Testemunhas afirmaram que os dois garotos eram alvos de piadas na escola. A história foi levada ao cinema pelo diretor Michael Moore, com o título Tiros em Columbine.

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MEDIDAS EFICIENTES

As crianças e adolescentes podem ser identificados como vítimas, agressores ou testemunhas de situações de bullying. É mais comum entre alunos com idades entre 11 a 13 anos e menos freqüente na educação infantil ou no ensino médio. O bullying direto - como os apelidos, agressões físicas e ameaças - é utilizado com uma freqüência quatro vezes maior entre os meninos. O bullying indireto - que compreende atitudes de indiferença, isolamento, difamação e negação aos desejos - é mais adotado pelas meninas.

Com base nessas informações o dr. Lopes Neto coordenou o Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes. Cinco mil e quinhentos alunos da quinta à oitava série do ensino fundamental em 11 escolas (nove públicas e duas particulares) foram submetidos à ações capazes de prevenir a ocorrência do bullying. Em pouco mais de um ano, foi registrada uma redução na agressividade entre os estudantes, favorecendo o nível de aprendizado e o ambiente escolar. "O objetivo maior das ações antibullying é a promoção da amizade, solidariedade e valorização da diversidade" relata o coordenador do programa.

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