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Histórias e mais histórias!

Gente,


sempre tem gente me perguntando o porquê de eu ter parado de escrever historinhas. Bom, eu não parei! Eu parei de postar porque eu não estava mais conseguindo tempo para respirar, que dirá pensar em uma história diferente por dia e vir aqui postar. Acabei usando muitas histórias que não eram minhas e, confesso, achei que o conteúdo estava perdendo a qualidade. Por isso, deixei o blog um pouco de lado. Por mais tempo do que eu queria, admito! Mas sempre recebo emails, recadinhos fofos e fico tocada com o carinho. Por isso, estou me organizando para voltar a postar - aqui ou em um novo blog, ainda estou pensando.

Hoje, o que fiz, foi começar a organizar algumas das minhas histórias. Várias vezes me perguntaram se eu não tinha uma historinha preferida. Tenho várias! E resolvi deixar uma postagem aqui com algumas delas. Assim, quem está chegando agora passa a conhecer um pouquinho das historinhas. E os leitores que conhecem, matam as saudades. ;)

Um beijo estalado e um abraço apertado,
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Algumas das minhas historinhas preferidas...



A menina do cabelo de mola

Juliana era uma menina bacana prá chuchu. Era inteligente, divertida, amiga, carinhosa. Tinha uma porção de amigos em todos os lugares: na escola, no prédio, no clube. Seus amigos a chamavam de Jujuba, porque diziam que ela era doce demais para ser Juliana. Jujuba gostava muito de sua escola, mas agora que ela mudaria de série, também teria que mudar de escola. Mas ela não estava preocupada: sabia que logo teria um bocado de amigos novos.
Jujuba foi para uma escola nova em outro bairro, onde não conhecia ninguém. Logo no primeiro dia, conheceu as meninas da turma: Luiza, Fernanda, Gabriela e Maria Antônia. Todas elas eram parecidas: tinham os cabelos loiros e muito lisos – tirando a Gabriela, que tinha os cabelos castanhos, mas também bem lisinhos. Jujuba, por outro lado, era bem diferente delas. Tinha a pele mais escura e o cabelo era de mola: todo enroladinho! Mas isto não impediu que todas se tornassem amigas instantaneamente, claro.
Maria Antônia – Tônia, como a chamavam – era a mais velha da turma. Por isso mesmo, se sentia no direito de decidir a brincadeira. Logo no primeiro dia em que Jujuba entrou para a turma, Tônia disse:
  • Hoje vamos brincar de princesas! Eu vou ser a Aurora, porque o meu cabelo é loiro igualzinho ao dela. A Luiza vai ser a Cinderela. A Fernanda vai ser a Rapunzel, já que ela tem o cabelo mais comprido de todas nós. E a Gabi vai ser a Branca de Neve, porque tem o cabelo escuro.
  • E eu, Tônia, vou ser quem? - perguntou Jujuba.
  • Ih, é, Jujuba, esqueci. Você... vai ser a fada madrinha, está bem?
  • Está bem - Jujuba respondeu, feliz em brincar com suas novas amigas.
Conforme os dias foram passando, Jujuba começou a estranhar a brincadeira. Todos os dias brincavam de princesas. E todos os dias ela não era uma das princesas! Era madastra, irmã malvada ou fada madrinha.Todos os dias ela tinha que, de alguma forma, servir às outras. Até que, no final da semana, cansou da brincadeira. Quando Tônia começou a nomear as princesas, foi logo avisando:
  • Tônia, hoje eu quero ser princesa também! Cansei de ser fada madrinha.
As meninas olharam umas para as outras com espanto. Tônia, um pouco sem graça, disse:
  • Desculpa, Jujuba, mas não pode.
  • Por que? - perguntou a doce menininha.
  • Porque princesa não tem cabelo de mola como o seu!
Jujuba ficou muito, muito chateada mesmo. Acabou não querendo brincar de nada neste dia. Assim que chegou em casa, correu para a sua prateleira de livros e pegou um livro enorme, cor de rosa, com uma única palavra no título: 'Princesas'. Abriu- o e começou a folheá-lo. Tinha as histórias da Branca de Neve, da Rapunzel, da Bela Adormecida, da Ariel, da Cinderela. Nem lia as histórias, estava hipnotizada olhando as gravuras. Nenhuma, nenhuma princesa tinha cabelo de mola! Suas amigas estavam certas. Ela nunca poderia ser princesa. Fechou o livro e chorou. Chorou até dormir. Estava tão chateada que nem levantou para jantar.
De manhã bem cedinho, Jujuba escutou um barulhinho e despertou. Sua irmã mais velha estava na sala, vendo televisão. Foi até a sala e perguntou para a irmã o que ela estava vendo. Levou um susto com a resposta.
  • Acorda, Juliana, hoje é o casamento da princesa!
  • Que princesa? Da Cinderela? - a menina perguntou.
  • Não! Da princesa de verdade, olha ali – e mostrou um príncipe e sua noiva, agora uma princesa, em um casamento de verdade, num país longe que Jujuba nem sabia que existia.
Jujuba assistiu, fascinada, às imagens do casamento. Era tudo tão bonito! A princesa era tão linda, com um vestido tão maravilhoso, e... com um cabelo tão liso. Ao perceber isso, Jujuba não conseguiu conter as lágrimas. Sua irmã não entendeu nada.
  • Que houve, Jujuba, o que te deixou triste?
  • Eu estou triste porque nunca vou ser princesa!
A irmã soltou uma gargalhada, abraçou sua irmãzinha e disse:
  • Você não sabe disso, Jujuba. Quem sabe você não casa com um príncipe de verdade e vira princesa, igual a esta da televisão?
Entre soluços, a menina respondeu:
  • Não, eu nunca vou ser princesa, nem de verdade e nem de mentira.
  • E por que você acha isso? - indagou sua irmã.
  • É porque eu tenho cabelo de mola, e princesa tem cabelo liso! - a menina respondeu isso chorando forte como a irmã nunca vira.
Tatiana, a irmã mais velha, secou as lágrimas dos olhos de sua irmã caçula, deu-lhe um beijo e abraçou-a com força até que ela se acalmasse. Assim que a menina parou de chorar, Tatiana disse:
  • Juliana, eu quero que você olhe para a televisão.
  • Eu tô olhando – respondeu a menina.
  • Presta atenção. Repara nisso: a princesa não se mexe. Tem que ficar ali, parada, acenando com a mão. Está todo mundo olhando para ela, e nem dar um beijo na hora que quer ela pode. Ela não pode fazer nada. É quase uma estátua viva. É isso que você quer?
  • Não, mas...
  • Princesa é bonito em conto de fadas. Mais legal é ser gente de verdade. Assim, igual a mim e a você. Quando eu casar, eu vou dançar a noite toda, vou tomar aquela bebida de bolhinhas chique, vou fazer uma bagunça danada! Não vou querer ficar só acenando minha mão, não! E aposto que você também não quer isso!
Jujuba riu de imaginar a irmã acenando, quase como uma estátua, para todos os que passavam. Não, ela também não queria isso. Deu um beijo na irmã e saiu da sala saltitando de felicidade.
Quando chegou a hora do recreio, na escola, Tônia foi logo definindo os papéis, como sempre. E disse:
  • Jujuba você vai ser a governanta do castelo, nós dançamos e você prepara o chá e...
Jujuba interrompeu sua amiga.
  • Tônia, eu até posso brincar de princesa, mas só se for para brincar direito.
  • Como assim? - as meninas estranharam.
  • Vocês não são princesas?
  • Sim!- responderam todas juntas.
  • Então vocês tem que ficar sentadinhas aí, acenando para todo mundo!
  • Mas, mas, não é assim que...
Jujuba interrompeu Tônia novamente.
  • É assim que é a vida de princesa. Eu vi hoje uma princesa de verdade casando na televisão. Se vocês são princesas, tem que brincar assim!
Mesmo contrariadas, as meninas sentaram e ficaram acenando. Jujuba, com seu cabelo de mola, foi brincar de pique com os meninos, pulou corda, brincou de elástico, fez uma farra tremenda. No meio do recreio, suas amigas perguntaram se não podiam brincar também e ela respondeu que não, princesa só acenava e mantinha a pose. 'Brincadeira de verdade é para gente de verdade', Jujuba explicou.
Daquele dia em diante, nunca mais se brincou de princesa naquela escola. Todas as meninas diziam: 'meu cabelo é liso, mas faz mola quando eu tomo banho. Posso brincar como gente de verdade?' Jujuba ria e concordava. Era bom ter amigas de verdade ao invés de princesas!




Naquela escola não se brincava de princesa. Isto desde que Jujuba disse que princesa tinha que manter a pose, ficar sentadinha quietinha acenando para todos – tal qual ela viu uma princesa de verdade fazer na televisão. E quem queria ficar sentadinha quietinha acenando para todos? Ninguém! As meninas tinham decidido que era melhor ser gente de verdade, para poder brincar de verdade. Entãoelas prendiam os cabelos em rabos de cavalo e passavam o recreio brincando de pique-pega com os meninos, ou pulando amarelinha, ou brincando de elástico. Estavam sempre sujas e felizes. E é por isso que não brincavam de princesas.
Acontece que nem sempre o que as crianças pensam é igual ao que pensam os adultos. As meninas estavam todas muito satisfeitas com sua decisão de não serem princesas, mas a professora delas e a diretora da escola não sabiam disto. E, por isto, quando chegou a primavera, anunciou-se que a escola teria seu primeiro Baile das Flores, e que uma das meninas seria coroada Princesa da Primavera.
Claro que a professora e a diretora estavam fazendo isso para agradar as meninas. Elas estavam certas que o baile seria um sucesso e que todas as meninas iriam querer ser a Princesa da Primavera. Elas jamais poderiam imaginar a confusão que estavam causando.
O Baile Real, na verdade, não seria um baile. Seria uma festinha, no pátio da escola mesmo, numa tarde de sábado. Teriam um palco, onde uma banda de música ficaria tocando durante a festa e onde seria feita a coroação da Princesa da Primavera. Além disto, colocariam uns pufes espalhados ao redor do pátio e , na parede oposta ao palco, uma mesa grande com umas comidinhas boas. E, claro, flores espelhadas por toda parte! Ia ser tudo muito bonito.
Para escolherem a Princesa da Primavera, lançaram um concurso: 'quem é a menina mais legal da escola?' A menina que ganhasse mais votos, seria coroada princesa, ganharia uma tiara enfeitada, um manto cor-de-rosa com flores em lilás e uma faixa dizendo 'Princesa da Primavera'. A professora e a diretora tinhamcerteza que todas as meninas sonhavam com isso, que todas iriam querer ser a princesa da escola. Mas estavam enganadas.
Assim que foi anunciado o concurso, todas as meninas entraram em pânico! Nenhuma queria ser escolhida a Princesa da Primavera. Todas pensavam exatamente a mesma coisa: aquela que for escolhida não vai mais poder brincar de verdade na hora do recreio. Teriam que fazer alguma coisa, urgente, para impdeir este concurso.
Tônia tinha se tornado, de uns tempos para cá, a melhor amiga deJujuba. Todo mundo gostava demais da Jujuba, que era um docinho de côco de tão doce! E, como Tônia era a melhor amiga dela, elas se tornaram as meninas mais populares do colégio. As duas sugeriam uma brincadeira na hora do recreio e todo mundo topava! E as duas eram bacanasmesmo: nunca decidiam uma brincadeira sem antes perguntar para turma o que eles achavam. Por isso até que todo mundo gostava delas. Agora, na hora do concurso, não teria escapatória. Decidir quem era a menina mais legal do colégio era fácil de dizer: seria uma disputa entre Jujuba e Tônia.
Foi a Tônia quem se deu conta disso. Não sozinha. Ela tava comprando chocolate na cantina quando o Cadu chegou e disse: ' Tônia, nós vamos dividir os votos. Eu, o Pereba, o Magrão e o Juninho vamos votar em você. O Luizão, o Marquinhos, o Mauricio e o Léo vão votar na Jujuba.' A menina, que tinha abocanhado um pedação do chocolate, se engasgou toda em desespero. Saiu correndo atrás de sua amiga, que estava do outro lado do pátio aprendendo como fazer pipas com o Zeca.
    • Jujuba, preciso falar com você agora, urgente!
    • Calma, Tônia – respondeu Jujuba – o que aconteceu?
    • Jujuba, nós estamos fritas!
    • Fritas? Por que? Nós não fizemos nada de errado!
    • O Cadu me disse que os meninos vão dividir os votos. Vão votar em nós duas para Princesa da Primavera! E se os meninos vão fazer isso, acaba que a escola toda vai copiar a ideia. Isto quer dizer que uma de nós vai ser a princesa da escola. Ou, pior: que nós duas vamos ser as princesas! Nunca mais vamos poder brincar de pique na vida!
    • O quê? Mas você tem certeza disso?
    • Certeza absoluta! Estamos fritas!
    • Estamos fritas! - respondeu Jujuba, de imediato.
As duas continuaram sentadas na lateral do pátio, em silêncio, por alguns intantes. De repente, Jujuba deu um salto e exclamou:
  • Tônia, quem tá frita é você!
  • Como eu, Jujuba? Você não me ouviu dizer que os meninos vão dividir os votos? Vai ser tudo meio a meio, vamos ser princesas juntas!
  • Eu, não! Eu tenho o cabelo de mola! Princesas não tem cabelo de mola, não é?
  • E eu? E agora?
  • Agora precisamos dar um jeito de te tirar desta enrascada! - respondeu Jujuba, convicta de que sua amiga seria coroada princesa da escola.
Naquele mesmo dia começou uma estranha movimentação no colégio. Jujuba foi falar com o Cadu, que falou com o Léo, que passou a mensagem pro Magrão, que contou pro Mauricio, que espalhou a mensagem para todo mundo. O recado era curto e grosso: 'não votem em nenhuma menina para Princesa da Primavera.' Os meninos, claro, não discutiram a ordem diante do argumento dado: a menina que fosse coroada princesa não poderia mais brincar com eles. E eles não queria deixar de brincar com ninguém, por isso não tiveram o menor problema em obedecer as instruções. Quanto às meninas... nem precisa dizer que se uniram, estavam todas morrendo de medo de perder o direito de brincar de pique. Até a Gabi, que tinha mó pinta de princesa por natureza (era a cara Branca de Neve) só dizia 'Deus-me-livre-ser-princesa-eu-adoro-amarelinha!' o dia todo.
O dia do baile foi chegando. As urnas para saber quem seria a princesa da escola seriam abertas no dia do baile, diante de todos. Mas a professora estava de olho nos alunos. E sentia um clima esquisito. Resolveu então, sem que ninguém soubesse, dar uma espiadinha na urna que tinha ficado em sua sala de aula. Abriu o cantinho com cuidado, para que ninguém soubesse que ela tinha espiado, e... nada! Nem mesmo um único voto para contar a estória! Saiu feito um foguete para a sala da diretora.
Míriam, a diretora, era de uma calma inabalável. Estava no meio dos seus afazeres quando a professora Nancy entrou feito uma doida, descabelada e ofegante, em seu gabinete, gritando:
  • Diretora, diretora! Uma catástrofe! Uma catástofe sem igual!
  • Acalme-se Nancy, respondeu Míriam. Do que você está falando?
  • Eu abri a urna da minha sala e...
  • Você o quê? As urnas são lacradas, tem que ser abertas na presença de todos!
  • Me escuta, Míriam! Tem alguma coisa errada! As crianças não estão votando!
  • Como não estão votando?
  • Nao estão votando! As meninas não querem ser princesas!
  • Não querem ser princesas? Que absurdo é este agora?
  • É isto mesmo que você ouviu! As meninas não querem ser princesas, não deixam que os meninos votem nelas e se uniram para que nenhuma receba voto algum.
  • Mas isto não tem o menor cabimento! Todas as meninas querem ser princesas! Todas as meninas são naturalmente princesas, ora bolas!
  • Pois é, mas as daqui não querem ser.
  • Mas se até outro dia viviam brincando de princesas que eu lembro...
  • Isto foi há meses, Míriam. Agora só querem saber de pique, amarelinha e elástico. E não querem ser princesas, de jeito nenhum!
  • Ora veja se pode! Nancy, convoque uma reunião com a turma toda. Eu quero falar com eles.
Na hora da saída, as crianças não foram liberadas. A professora visou que deveriam ficar um pouco mais na escola. Ninguém entendeu nada. Passados uns minutos, foram avisados que poderiam ir para o pátio. À frente deles, a diretora Míriam, com seu ar sereno de sempre, tinha uma expressão confusa.
As crianças sentaram-se enfileiradas no chão do pátio. Trouxeram uma cadeira para a diretora Míriam, que começou a falar.
  • Crianças, pela primeira vez aqui na escola teremos um baile. O Baile Real. Vocês sabem o quanto eu estou feliz com isso? Vai ser uma festa linda, vamos ter música, flores, só coisa bonita. E esta festa é para vocês! Ou vocês não sabem disto?
  • Sabemos, diretora Míriam! - responderam as crianças em coro.
  • Então. Pois é uma festa para comemorar a estação das flores. E para receber as flores, vamos coroar uma princesa. Esta princesa vai ser eleita por vocês. Tem que ser uma meina muito legal, daquelas que todo mundo gosta. Eu tenho certeza que todos aqui estão em dúvidas, não é? Vocês acham todas as meninas legais, e são mesmo. Mas deve ter alguma que vocês achem que é mais legal ainda. Uma que é amiga, generosa, gentil... E é nesta que vocês devem votar. Agora que vocês já entenderam as regras, vocês podem votar em quem quiserem, está bem?
  • Não, diretora Míriam.
  • Quem falou isso? - perguntou a diretora.
E então aquele pingo de gente, aquele docinho de menina, levantou-se de onde estava sentada e respondeu, suave e firme ao mesmo tempo:
  • Eu, diretora Míriam.
  • Jujuba? Você não quer votar?
  • Não, diretora. Nem eu, nem ninguém vai votar. A Tônia não quer ser princesa!
Nisto a Tônia levantou-se e falou alto 'eu não quero ser princesa', enquanto a Gabi começou a murmurar 'Deus-me-livre-a-Tônia-ser-princesa-e-nunca-mais-pular-amarelinha', o Cadu começou a gritar 'abaixo a realeza!' e ficou todo mundo falando junto e foi uma confusão danada. A diretora Míriam, sempre tão calma, levantou-se da cadeira e deu um grito: 'SILÊNCIO!' E foi tão tão alto e tão tão inesperado porque ela não gritava nunca que fez efeito imediato: as crianças sentaram-se, mudas, num zás-trás.
  • Eu quero entender o que está acontecendo. Quero todo mundo quietinho. Só fala quem eu chamar. Muito bem. A Tônia não quer ser princesa. Vocês já fizeram a votação entre vocês, por acaso? Juuba, você parece estar por dentro desta estória. Quer fazer o favor de me explicar o que está acontecendo?
  • Diretora Míriam, com sua licença. Nós gostamos muito da estória do baile. Só não gostamos de ter que ter uma princesa, ainda mais a Tônia.
  • Ok. Eu quero entender o porquê de vocês não quererem ter uma princesa, primeiro. E depois quero que me expliquem porque acham que a Tônia seria a princesa da escola.
  • Bom, nós não queremos ter princesa porque a princesa não pde brincar de pique. E a Tônia seria a princesa porque é para escolher a menina mais legal.
Jujuba respondeu com uma certeza que confundiu ainda mais a diretora. De que raios aquela menina estava falando, afinal? E por que todas as outras crianças concordavam com ela?
  • Desculpa, Jujuba. Eu estou tentando entender o que você diz, mas nãoconsigo. Não faz o menor sentido. Vamos por partes. Me explica, por favor, o porquê de princesa não poder brincar de pique.
  • Ah, isso. Todo mundo sabe. Princesa tem que ficar quietinha, acenando para todo mundo e sendo bem educada o tempo todo. Não pode se sujar, não pode pular, não pode correr. E nós gostamos de fazer isso tudo. Então não queremos ser princesas!
A diretora finalmente começou a entender do que as crianças tinham medo. Não se conteve, soltou uma gargalhada. A professora Nancy, que estava ao seu lado, também não conseguiu conter o riso.
  • Jujuba, quem disse que princesa não pode fazer isso?
  • Eu vi. Na televisão. No casamento da princesa com um príncipe em um país lá longe...
  • Jujuba, você assistiu a um casamento. Você não viu a infância da princesa. É claro que a princesa pode brincar do que quiser!
A expressão de Jujuba mudou na hora. Ela simplesmente exclamou:
  • Então a Tônia pode ser princesa!
  • Pode. Pode a Tônia, a Gabi, a Luiza... e você! Por que você só fala da Tônia? Eu ouvi dizer que muita gente também gostaria que você fosse coroada a princesa da escola.
A menina, sempre tão risonha, agora mostrava uma expressão séria. Respondeu a diretora com firmeza
  • Eu não posso ser princesa porque tenho o cabelo de mola!
A diretora quase caiu para trás! Quem teria dito tamanho absurdo a uma menina tão doce, tão amiga, tão linda quanto aquela?
  • Jujuba – a voz da diretora saiu tremulando – quem te disse uma insanidade destas?
  • A Tônia! - Jujuba apontou para a amiga, que levantou-se e explicou:
  • É diretora, as princesas tem o cabelo liso, como a Rapunzel, a Branca de Neve, a Cinderela, a Bela Adormecia, a...
  • Pára! - a diretora interrompeu Tônia – sente-se, Tônia, por favor.
Tônia obedeceu na hora. A Diretora Míriam estava tão séria que nem tentou argumentar nada.
  • Eu quero que vocês, todos vocês, prestem atenção ao que eu vou dizer – continuou a diretora. Especialmente vocês duas, Jujuba e Tônia. O que vocês veem nos contos de fada, estas princesas que você mencionou, são apenas algumas princesas que existem. São princesas de contos de fadas. Mas, na vida real, já existiram, e ainda existem, milhares de princesas de cabelo de mola. Cabelos iguais aos seus, Jujuba.
Todo mundo olhou para a Jujuba nesta hora. Ela estava fixa olhando para a diretora Míriam, como se estivesse ouvindo a maior invenção do mundo pela primeira vez.
  • E o que todas estas princesas tem em comum? Não é uma tiara enfeitada, não é um manto bonito. Não é o tipo de cabelo, não é a cor da pele. O que elas tem em comum, o que toda princesa tem que ter, são os atos de princesa – a diretora Míriam falava com tanta certeza que ninguém discordava. Nem o Léo, que adora criar uma confusão . Vocês sabem o que são estes atos que tornam uma princesa, de fato, uma pessoa nobre?
  • Não, diretora – responderam todas as crianças juntas.
  • O que faz alguém ser nobre é ser justo, leal, amigo, generoso, caridoso. Isto tem alguma coisa a ver com cabelo, por acaso?
  • Não, diretora – as crianças ouviam fascinadas o que a diretora dizia.
  • Pois então. Guardem esta lição pelo resto da vida. Não se conhece uma pessoa pela cor, pelo tipo de cabelo, ou alguma coisa assim. E não é assim que devemos escolher nossos amigos. Ou alguém aqui escolheu o amigo por causa do cabelo dele?
  • Não, diretora – as crianças riram.
  • Isto mesmo. Porque isso não interessa. Importante é saber o que a pessoa leva na cabeça. E o que a pessoa leva no coração. Não se esqueçam nunca disto!
  • Sim, diretora! - as crianças gostaram disto e responderam felizes.
  • Agora, que vocês já sabem disto, também sabem que qualquer uma pode ser princesa, com cabelo liso ou de mola. E eu quero que vocês escolham alguém para ser a princesa da escola. Alguém de quem vocês gostem muito. Alguém que tenha a cabeça cheia de boas ideias e o coração cheio de amor. Combinado?
  • Combinado! - responderam todas as crianças, que foram dispensadas depois disto.
No dia do Baile Real, não houve nenhuma surpresa na hora de abrirem as urnas. Jujuba, que era a menina que tinha um coração transbordando de amor e a cabeça borbulhando de boas ideias, foi a que recebeu todos os votos. Foi coroada a Princesa da Primavera. E, como ela era cheia de boas ideias, decidiu que, dali em diante, todas as meninas da escola seriam princesas. E isto acabou acontecendo também na rua da Jujuba, no seu bairro, na sua cidade... E daí não teve jeito. Fizeram uma lei declarando 'a partir deste momento, todas as meninas são princesas!'
E vocês, que estão aí e já são princesas, lembrem-se sempre disto. Não importa o título de nobreza. Para ser princesa, tudo o que precisa é boas ideias na cabeça e amor no coração. E isto eu sei que vocês tem de montão!


http://bonequinhosdepalito.blogspot.com foi responsável pelas imagens maravilhosas desta historinha!!!!




O Lobo Bom


Havia, há não muito tempo atrás, uma grande floresta verde situada entre duas grandes cidades. Esta floresta tinha tudo o que uma floresta tem: muitas árvores, uma cachoeirinha, pedras por todos os cantos e muitos, muitos animais. Tinha formiguinhas pequenininhas e formigonas vermelhas. Tinha macaquinhos que ficavam pulando de um galho para o outro. Tinha esquilo, tucano, raposa... todos os bichos que você imaginar e mais alguns. E tinha um lobo. Um lobo bom. Este lobo era tão tão bonzinho que chegava a ser meio bobo. Os outros animais faziam gato e sapato dele, brincando com ele o tempo todo e pedindo ajuda para as mais variadas tarefas – ele era o animal mais forte dali, auxiliava a todos os outros no que precisassem. Em toda a floresta o lobo bom era conhecido e amado. Naquela floresta sem leão, ele era o rei da bicharada!
Só que fora da floresta não sabiam que o lobo era bom. Então a floresta se mantinha ali, quietinha e verdinha entre as cidades, com os uivos do lobo bom mantendo os homens à distância- o que os homens não sabiam é que os uivos nada mais eram do que a cantoria do lobo. Ele era um ótimo amigo, mas péssimo cantor!
O tempo foi passando e as cidades foram crescendo. Até que um dia um homem se aventurou pela floresta. Assim que chegou, esbarrou com o lobo. Perdeu a cor, achou que o lobo fosse abocanhá-lo ali mesmo. Mas, como o lobo era um tremendo boa-praça, se aproximou sorrindo e dando as boas-vindas ao estrangeiro.

- Olá, seja muito bem-vindo à Floresta Verde. Eu sou o lobo, e aqui temos todos os animais que você queira conhecer. Temos uma cachoeirinha, muitas flores e árvores cobertas de frutas. Todos são amigos e aqui todo mundo é bem-vindo!
- Mas, ora, ora, um lobo que reina em uma floresta verde. E você, por acaso, não morde quem entra aqui?
- Claro que não, aqui só mordemos frutas, respondeu o lobo, rindo muito.

- Que beleza de floresta. Eu preciso ir, mas voltarei outra hora.
- Será sempre bem-vindo.
O que lobo bom não sabia é que o homem era mau. Até este dia, o lobo nunca vira maldade de perto. Mas era, era um homem mau. E que tinha muitos outros amigos, tão malvados quanto ele.
O homem mau disse que ia voltar, e voltou. Voltou no dia seguinte, com vários outros homens, tratores, escavadeiras. Em questão de horas eles destruíram a floresta inteirinha, juntando as duas cidades em uma única, enorme, cinzenta massa de gente e prédios.
Os animais, assustados, tiveram que fugir correndo. O lobo, desolado, comandou a fuga, garantindo que nenhum animalzinho, por menor que fosse, ficasse esquecido.
Os animais andaram durante muito, muito tempo, até que encontraram um novo cantinho. Era uma floresta bem menor do que a primeira, mas era uma floresta.Tinha árvores, flores, frutas e espaço para todos. E, bem no cantinho da floresta, tinha uma casinha. Nesta casinha morava uma Vovózinha que adorava fazer doces para receber sua neta. Assim que se instalaram, o lobo foi conversar com aVovózinha e contou tudo o que acontecera a ele, seus amigos e sua antiga morada. AVovózinha, que já conhecera vários homens maus, sabia que era questão de tempo até que viessem atrás da sua floresta. Então teve uma ideia genial. Chamou seu amigo lenhador, sua netinha, convocou os novos amigos e, juntos, decidiram: daquele dia um diante, ninguém mais saberia que o lobo é bom.
Hoje em dia, quem passa pelas florestas, se assusta ao avistar um lobo. Graças à invenção da Vovózinha, todos caíram na farsa do lobo mau. E em todas as florestas que um homem mau tentar se aproximar, o lobo vai uivar e assustá-lo. Mas as crianças... ah, as crianças não são tão fáceis de enganar! Então, se algum dia você cruzar com um lobo, já sabe: dê-lhe uma piscadela de olho. Assim, você vai mostrar para ele que sabe que ele é um lobo bom. E ele vai saber que, quando crescer, você vai ser uma pessoa boa, que sempre o ajudará a cuidar das poucas florestas que ainda restam por aí.



Chapeuzinho e o Lobo Bom devorando docinhos!


Desde que se mudou para a floresta onde vivia a Vovózinha, o Lobo bom e a Chapeuzinho tornaram-se inseparáveis! Eram grandes amigos, e queriam fazer tudo juntos, o tempo todo. Esta histórinha é de uma das muitas traquinagens que os dois aprontaram juntos.
Era uma tarde comum, nem muito fria e nem muito quente. O sol estava ameno, e uma suave brisa convidava para um passeio. Chapeuzinho tomou o caminho da floresta, pronta para visitar a sua avó, quando encontrou o Lobo no caminho.
  • Oi Vermelhinha, para onde você vai? - perguntou o Lobo à sua amiga.
  • Oi Boludo, estou indo para a casa da Vovó. Quer vir junto?
  • Claro, vamos lá!
E assim foram, Chapeuzinho e o Lobo – ou Vermelhinha e Boludo, que eram os apelidos pelos quais se chamavam.
No caminho, os dois amigos viram muitas flores bonitas, e resolveram pegá-las para enfeitar a casa da Vovó. E eram tantas, mas tantas flores, que logo os dois estavam carregados, parecendo uma floricultura ambulante!
Quando chegaram na casa da Vovó, ela não estava.Mas tinha deixado algo em cima da mesa. Uma bandeja cheia de docinhos! Os olhinhos dos dois brilharam ao ver aquilo. Chapeuzinho foi quem deu a ideia:
  • Boludo, acho que não tem problema se a gente comer um docinho, né?
  • Acho que um docinho só não vai fazer falta, né, Vermelhinha?
  • É, unzinho só não faz diferença...
  • Dois, né, um para mim e outro para você!
  • Isto, dois. Dois não farão falta. Vamos provar!
Comeram um, depois outro, depois mais um, depois mais outro... até que tinham acabado com a bandeja toda! Foi assim, num piscar de olhos, sem que eles nem percebessem. Quando viram o estrago que tinham feito, ficaram desesperados:
  • E agora, Vermelhinha, o que vamos fazer?
  • Boludo, me deixa pensar!
  • Pensa logo e pensa rápido, porque a gente tá frito!
Chapeuzinho pensou e pensou e chegou à conclusão que não tinha outro jeito: teriam que fazer mais doces! Comunicou sua decisão ao Lobo. 'Vamos ter que fazer mais docinhos, não tem outra maneira. Vamos fazer brigadeiros, que é o que eu mais gosto!'
Chapeuzinho pegou uma panela grande e tacou lá dentro o leite condensado e o chocolate. Só que nenhum dos dois amigos tinha feito brigadeiro antes, então... Arruinaram a receita! O brigadeiro ficou duro, grudado no fundo da panela, não conseguiram comer de jeito nenhum! Chapeuzinho teve, então, outra ideia.
    • Já, sei o que vamos fazer! Vamos tentar a receita de beijinho de côco para ver se é mais fácil. Também é um docinho bem gostoso, né?
    • Gostoso, é. Mas será que é fácil de fazer?
    • Eu já vi a Vovó fazendo diversas vezes. É só misturar este leite com o côco. Tentar não custa, né?
    • É, tentar não custa!
Mas foi aí que os dois se enganaram feio! Tentar custou caro, já que eles realmente não sabiam fazer doces...
Colocaram os ingredientes na panela e deram uma mexidinha. Achando que estava demorando muito para ficar pronto, resolveram sair para brincar um pouquinho. Quando voltaram, eles não tinham apenas estragado o doce. Tinham estragado tudo – o doce queimou, grudou na panela. A panela continuou queimando, derretendo o cabo. No final das contas, ao entrarem na cozinha, tudo que restara era uma mancha preta na parede e um cheiro muito forte de queimado.
    • Estamos mais que fritos, Vermelha! Estamos fritos, cortados e servidos no espetinho!
    • Estamos fritos, Boludo! E agora?
    • Não sei, não sei, não sei!
Ficaram os dois indo de um lado para o outro, sem saber o que fazer. Até que o Lobo teve uma ideia.
  • Já sei! Vamos pegar as flores que trouxemos para enfeitar a parede!
  • Boa ideia, vamos fazer isto agora mesmo!
Os dois correram para enfeitar a parede inteirinha. Em questão de minutos, não se via uma única marquinha de queimado, a parede estava coberta de flores. Foram até a despensa da casa da Vovó, pegaram um pacote de biscoitos e colocaram na bandeja em cima da mesa. Mal acabaram de fazer isto, a Vovózinha chegou.
  • Chapeuzinho, Lobo, vocês estão aqui! Que surpresa boa!
  • Não sei se a senhora vai achar a surpresa tão boa assim, Vovó – disse a Chapeuzinho.
A Vovó notou os biscoitos no lugar dos docinhos, e antes que tivesse tempo de dizer qualquer coisa, Chapeuzinho e o Lobo contaram, tintin por tintin, tudo o que acontecera. A Vovó ouviu tudo em silêncio, e então deu um sorriso.
  • Mais importante do que os docinhos, do que as panelas, e até do que a parede, é a segurança de vocês dois. Vocês correram um risco muito grande, mexendo com fogo sem ter um adulto por perto. Graças a Deus que estão bem!
  • Mas... e os docinhos, Vovó, e a parede? - perguntou Chapeuzinho.
  • Os docinhos eu fiz para vocês. Não tinha problema nenhum em comerem todos, eles estavam aqui aguardando que vocês viessesm. E, quanto a parede, vocês fizeram o mais importante: contaram a verdade!
  • Contamos a verdade, mas estragamos a parede! - disse o Lobo.
  • Pelo contrário! Agora tenho uma parede linda, coberta de flores, que vocês enfeitaram com todo carinho para mim! - respondeu, sorrindo, a Vovózinha.
Chapeuzinho e o Lobo ficaram muito felizes por terem contado a verdade! Estavam com tanto medo da reação da Vovózinha, mas ela os desculpou porque eles foram sinceros.
A Vovó fez um lanche bem gostoso para todos. Chapeuzinho e o Lobo, neste dia, aprenderam várias lições que nunca mais esqueceram. Daquele dia em diante, não tentaram mais mexer com fogo, nem mesmo para fazer docinhos. E, sempre, sempre, contam a verdade, não importando quão difícil pareça ser fazer isto. Só teve uma coisa que eles não aprenderam: não conseguiram deixar de ser bagunceiros, e continuam aprontando todas por aí!

{esta historinha foi criada em parceira com Carol Mendes, minha sobrinha! }



Uma estrelinha no céu

No quintal da minha casa é sempre escuro de noite. Todas as casas da vizinhança apagam as luzes às nove horas, então às dez já não se vê mais nada. O céu torna-se uma imensidão azul, escura, escura. Vez por outra passam pontinhos luminosos que fazem um barulho danado. Alguns são aviões. Outro são helicópteros. Outros, não consigo saber. Estes, gosto de pensar que são naves espaciais. E eu gosto de pensar isso porque deve ser muito bacana ter gente vivendo em outro planeta. Gente que uma hora poderíamos conhecer, visitar. E quando eu digo gente, me refiro às crianças, claro. Adulto não entende estas coisas de visitar um amigo diferente, ia querer fazer uma porção de perguntas estranhas e sem sentido, como 'que tal o modo de vida em seu planeta, qual o seu trabalho, como você sustenta sua família...' Você sabe, perguntas de adulto. As perguntas que interessam eles sempre se esquecem de fazer, como 'qual a sua brincadeira favorita, no seu planeta você assiste a desenhos, como seus amigos te chamam...' Você sabe, perguntas de crianças. Eu estava pensando nisso tudo, olhando para aquele azul sem fim, quando percebi, no meio do azul, um pontinho. Não era avião. Não era helicóptero. Não era uma nave espacial – confesso que fiquei decepcionado ao perceber isso. Era uma estrelinha. Uma estrelinha quase sem luz, apagadinha mesmo, sozinha no céu. Cocei o olho, tornei a olhar. Ela ainda estava lá. Sozinha que só ela. Fiquei com uma peninha danada, ela tão solitária lá em cima. Daí, como não soubesse o que fazer, peguei o violãozinho que a vovó me deu. Comecei a tocar, em homenagem à estrelinha, dizendo 'brilha, estrelinha, brilha!' E fui tocando e tocando. Eu não sei o que aconteceu, mas de repente a estrelinha começou a brilhar mais forte. Era incrível, ela estava brilhando mais forte para mim! Eu também fiz a minha parte, toquei o meu violãozinho e comecei a cantar bem alto 'brilha, brilha, estrelinha!'. O papai veio me chamar para dormir. Então eu disse: 'não posso agora, papai, porque a estrelinha está brilhando para mim!' E voltei a tocar. O meu pai não é bem como os outros pais. Ele se lembra de quando era criança. Por isso, ele não insistiu para que eu dormisse. Ele entrou, pegou o violão dele, e veio para o meu lado. E disse: 'canta, Davi'. E eu cantei bem alto: 'brilha, brilha, estrelinha, brilha, brilha bem lindinha!' E eu toquei meu violãozinho. E o papai tocou o violão. E quanto mais nós tocávamos, mais ela brilhava, e crescia e se enchia de cor. Logo, logo, ela estava um ponto amarelo forte no céu, uma luz brilhando enérgica no meio do azulão sem fim. E tão, tão linda, que dava gosto de ver. Paramos de tocar, e ficamos olhando a estrelinha, que agora se exibia com orgulho para nós. Papai disse que estava muito tarde, e que deveríamos dormir. Na hora de me colocar na cama, papai me deu um beijo de boa noite e me disse assim: 'Davi, todo mundo tem uma estrelinha dentro de si. Mas às vezes ela está apagadinha. Daí, temos que cantar, tocar, fazer festa, lembrá-la do quanto ela é valiosa. E ela volta a brilhar com força.'
Eu não entendi direito o que o papai quis dizer. Mas, deste dia em diante, todas as noites tinha serenata para as estrelas na minha casa...


O campeonato de bolinhas de gude

Na rua onde eu moro quase não tem criança. Além de mim, só a Duda. E, na verdade, a Duda nem mora na rua, quem mora é a avó dela. Mas como ela vem para a casa da avó quase todos os dias, ela também faz parte da turma. Já na rua de trás, a Rua das Valsas, chove criança! Tem o Pedro, o Léo, o Toninho, a Manu e o meu xará, o outro Davi. Como eu nasci primeiro e ele depois, eu fiquei sendo o Davi, e ele o Xará. Eu acho Xará um nome bem estranho e não ia gostar muito que me chamassem assim, mas o Xará até que gosta de ter este nome.
Todos tínhamos praticamente a mesma idade, e, por isso, brincávamos juntos todos os dias quando voltávamos da escola. A brincadeira preferida era o pique. Qualquer pique. Pique -pega, pique-esconde, pique-bandeira – este era o que eu mais gostava. Cada dia um sugeria um pique diferente e tinha brincadeira para todos os dias da semana. Quer dizer, isto antes do presente.
O presente quem ganhou foi o Pedro. Foi no aniversário dele, e ele contou que uma tia dele que deu. Uma coleção de bolinhas de gude. Nós não tínhamos bolinhas de gude até então, mas quando o Pedro surgiu com a coleção, todo mundo quis ter também, até as meninas. Bolinha de gude não deve ser um brinquedo muito caro. Todos os pais compraram as bolinhas de gude, sem ser aniversário de ninguém, e até o final da semana cada um tinha um saquinho de bolinhas de gude para brincar.
Só brincar não tinha graça, claro. O Toninho, que é fã de uma disputa, foi quem sugeriu: 'vamos fazer um campeonato!' Todo mundo concordou porque ninguém sabia jogar muito bem ainda, então a disputa seria bem leal.
Pensamos onde poderíamos fazer o nosso campeonato, e o lugar mais óbvio que nos veio à cabeça foi o campinho abandonado da Praça da Jaqueira. A Praça da Jaqueira fica no final da Rua das Valsas e não tem nada. Quero dizer, nada desde que eu sou gente. Já deve ter tido um dia, mas nem meus pais e nem os pais de ninguém lembram mais. O que tem lá são uns ferros, que são os restos de uma gangorra e de um escorrega. Mas só tem o ferro, nem dá para brincar neles. Ainda assim, tinha espaço de sobra para o nosso campeonato. Marcamos tudo, e no sábado à tarde estávamos todos na Praça da Jaqueira para nossa disputa de bolinhas.
Era a segunda rodada. Eu tinha ganhado duas bolinhas do Léo. O Toninho tinha perdido quatro para a Duda. E a grande vencedora da rodada era a Manu, que tinha levado oito bolinhas do Xará. Estávamos nos preparando para as semifinais quando passou a Dona Candoca. Dona Candoca era um doce, todos gostávamos muito dela. Mas ela era também a presidente da Associação de Moradores, e não deixava ninguém fazer nada errado. E nós não sabíamos que estávamos fazendo alguma coisa errada. Só que, ao nos ver ali, debruçados sobre as bolinhas no chão de terra da pracinha, Dona Candoca deu um grito. Chamou-nos, disse que era muito perigoso ficarmos ali, que aquela terra não era tratada, que os ferros estavam enferrujados e tudo o mais. Ninguém queria desobedecer a Dona Candoca, mas ninguém queria parar com a partida – principalmente o Xará, que queria recuperar suas bolinhas de qualquer jeito. Daí ele explicou a situação para ela, que disse que iria resolver o problema.
Dona Candoca resolveu, mas não resolveu. Ela ligou pros pais da gente, perguntando se eles sabiam os riscos que tínhamos de pegar uma doença naquela pracinha abandonada. Falou um monte. E os pais da gente nos proíbiram de brincar lá, claro. Aí o Léo reclamou, e depois o Toninho, o Pedro... No final das contas, o pai do Toninho disse que poderíamos fazer o campeonato lá na casa deles, na semana seguinte.
No dia marcado, estávamos todos lá. O Xará já tinha ganhado mais um montão de bolinhas de gude, mas ainda estava fixo na ideia de recuperar as que tinha perdido. Só que ele não era muito bom no jogo. Logo na primeira rodada, perdeu duas para a Duda. Na segunda, levei três bolinhas dele. Na terceira rodada, para o azar dele, caiu junto com a Manu.
A Manu tinha um jeito tremendo para jogar as bolinhas de gude. Quem jogava com ela, perdia. Só que ela era legal e fazia assim: de cada três bolinhas que papava de um, devolvia duas e ficava com uma para ela. Só que o Xará reclamava tanto tanto tanto, e dizia que ela estava roubando e tal, que ela não devolvia as dele. Dizia ' Xará, tá dizendo que tô roubando então te vira! Aprende a jogar melhor que eu, porque as suas bolinhas eu não devolvo!' Quando o Xará e a Manu foram sorteados, nesta terceira rodada, para ficarem juntos, todo mundo sabia que ia dar galho. Mas ninguém podia adivinhar o tamanho do galho. Nem o que aconteceria depois.
O Xará já tava nervoso. Logo de cara, a Manu levou umas três bolinhas dele. Duas, quatro, uma, cinco... Cada vez que ela mirava nas bolinhas, pimba! Levava um tanto. Até que teve uma hora que ela se distraiu e perdeu. Não as bolinhas. Perdeu a vez, e daí o Xará tinha que jogar.
Claro que o Xará queria recuperar todas as suas bolinhas, estava ansioso por isso. Só que o Xará é bem estabanado. E é meio brucutu também, não sabe medir a própria força. Daí ele foi jogar a bolinha, mas estabanou-se todo - jogou a bolinha com força demais. Se tivesse sido só isso, nem teria tido problema. Só que a bolinha bateu no chão, quicou na parede e, num piscar de olhos, saiu voando para a frente do Tito, o cachorro da mãe do Toninho.
Ninguém teve tempo de fazer nada. Antes que pudéssemos alcançá-lo, Tito já tinha engolido a bolinha de gude. Quero dizer, engolido não. Ele tentou engolir, mas a bolinha ficou entalada na goela dele. Foi uma gritaria, todos nós correndo para ajudar, mas sem saber o que fazer. O Toninho chamou pela mãe dele, que botou o Tito no carro e correu pro hospital. Hospital de cachorro, não de gente.
O resto do dia não conseguimos jogar, brincar, fazer nada. Todo mundo tava preocupado com o Tito, querendo saber se ele ia ficar bem. A mãe do Toninho voltou com o Tito já quase na hora da janta. O Tito chegou latindo, pulando e fazendo festa na gente. Ficamos aliviados porque ele tava normal. Mas isso também só durou um segundo, até vermos que a mãe do Toninho não tava normal. Ela tava com cara de muito zangada, como se a bolinha de gude tivesse entalado era na goela dela. Daí ela deu uma bronca em todo mundo, que era perigoso o que tínhamos feito e coisa e tal. E o Xará, sem graça, pediu desculpas, disse que não tinha feito por querer. Só o Léo que não gostou muito da história e reclamou de volta, dizendo que nós não tínhamos lugar para brincar, que a Dona Candoca nos expulsou da Praça da Jaqueira porque era perigoso, e ali era perigoso por causa do Tito e nunca que conseguíamos terminar nosso campeonato. Nós não acreditamos do jeito que o Léo enfrentou a mãe do Toninho, mas até que foi bom. Ela mudou de cara e disse ' eu vou resolver isso.'
O que aconteceu depois, nós não sabemos. Ficamos sem campeonato por quase um mês. Enquanto isso, uma coisa estranha acontecia: começou um tremendo entra e sai na pracinha. Não de crianças, mas de gente grande.
Um sábado, minha mãe me disse:'pronto, hoje é o dia, vamos prá pracinha'. Eu não entendi nada, mas também não perguntei porque eu queria mesmo era sair de casa para brincar. Quando cheguei, a Dona Candoca, a mãe do Toninho e o Toninho já estavam lá. Aos poucos, todos chegaram. A Praça da Jaqueira parecia outra praça! Tiraram os ferros enferrujados, colocaram uma grama no lugar onde só tinha terra, fizeram uns canteiros de flores. E, para melhorar, compraram uma gangorra e um escorrega novinhos em folha! Nós, as crianças, estávamos maravilhados com aquilo.
Dona Candoca começou um discurso que aquilo era uma obra da Associação de Moradores, e que nós deveríamos preservar a pracinha, e isto e aquilo. E mãe do Toninho estava toda prosa, dizendo que ela que tinha solucionado o problema, dizia 'as crianças precisavam de um lugar para brincar e eu convenci a Dona Candoca a usar os fundos da Associação na pracinha'.
Para as crianças, tanto fazia quem tinha feito o quê. O importante era que agora tínhamos um lugar para brincar. Mas se vocês quiserem a minha opinião, acho que devemos mesmo é agradecer ao Tito. Ele foi uma amigão pegando aquela bolinha de gude e se engasgando para nos ajudar...

Ah! E para quem quiser saber, a Manu ganhou o campeonato, papando vinte e três bolinhas do Xará!



A feira de Ciências

Esta estória toda aconteceu lá na minha escola. A minha escola é a mais perto de onde eu moro, por isso quase todos os meus amigos estudam lá também. Nem todo mundo na mesma turma, claro. Na mesma classe que eu, só a Manu e o outro Davi, que só chamamos de Xará. Na classe do lado, estudam o Léo e o Pedro. A Duda está uma série na frente da nossa – ela é a mais velha da galera – então só a vemos no recreio. E o Toninho fica de fora: estuda numa escola em outro bairro, longe pra chuchu!
Mas daí eu ia contando. Todos nós, exceto o Toninho, estamos na mesma escola. Então muitas vezes vamos e voltamos juntos. Na volta, sempre pensamos no que vamos brincar durante à tarde. É bem bom voltarmos juntos, porque daí já vamos decidindo isso e não perdemos tempo de discussão na hora da brincadeira. Fazemos isso quase todos os dias. Isto, claro, antes da feira de Ciências.
A feira de Ciências não era novidade na escola. Tinha todo ano, há muito tempo. Só que as crianças muito pequenas só participam como expectadoras. Este era o primeiro ano que faríamos uma experiência. Era assim: cada um escolhia um princípio científico e inventava algo para mostrar. Claro que os pais da gente podiam ajudar. A Duda já tinha participado no ano anterior, e o tio dela a ajudou a fazer uma pilha com um limão. Foi um troço genial, meu pai adorou, ficou dizendo que era coisa de Mc Gyver – que é um herói do tempo dele de infância que faz tudo de tudo. Todo mundo gostou muito da experiência da Duda, e ela ganhou o primeiro lugar da feira.
Todo mundo ganha uma medalhinha por ter participado da feira de ciências, mesmo se a sua experiência for bem ruinzinha. Mas o primeiro lugar ganha uma medalha de ouro, e uma faixa dizendo 'Jovem cientista: promessa do futuro.' Claro que a medalha não é de ouro, de verdade. É só pintada de ouro. Assim como a do segundo lugar é pintada de prata e a do terceiro é pintada de cobre. Mas a medalha de ouro é bonita à beça, e todo mundo quer ganhar. Então todo mundo tem que estudar bem o seu tema, preparar algo bem criativo e apresentar. E quem gagueja na hora da apresentação também tem chance, por que as professoras sabem que a gente fica meio tímido na frente de todo mundo, então a experiência conta mais do que a apresentação dela. E aí a gente não se preocupa tanto na hora de falar.
Pois bem, este era o primeiro ano que teríamos a chance de disputar pelas medalhas. Cada série tinha uma medalha de ouro, uma de prata e uma de bronze, porque não era justo alguém do quinto ano disputar com o pessoal do nono, que já aprendeu muito mais Ciências do que a gente. Era uma medalha por série, e na minha série tinham duas turmas, cada uma com vinte e três alunos. Ou seja, três crianças ganhariam as medalhas principais, enquanto as outras quarenta e três ganhariam a medalhinha de lata, que era só de participação.
Eu sempre fui bom aluno, até tinha chance de correr atrás das medalhas principais. Mas o lance é que eu não sou muito bom em Ciências. Eu estudo, tiro notas boas, mas não é a minha praia. Eu gosto de estudar História! Eu fico imaginando que sou um conquistador que vai desbravar os sete mares e descobrir uma nova terra. E nesta minha terra só vai ter criança e bicho e a gente vai poder fazer tudo que quiser: comer bananada na hora do almoço, jantar gelatina de morango e tomar picolé de uva o dia todinho! E, na minha terra, dor de barriga não vai existir. Nem cárie! Daí fazemos o que bem quisermos porque ninguém fica dodói e o dente da gente não ganha buraco! Mas, enquanto não descubro terra nenhuma, vou voltar pra minha estória.
Todo mundo queria fazer uma experiência incrível, todo mundo corria atrás do ouro. Só que só um de nós iria ganhá-lo. E, quem tinha mais chances era o melhor aluno da série nesta disciplina, aquele que amava e sabia tudo de Ciências. E, na minha série, este aluno era uma aluna. A Manu.
A Manu era bem estudiosa, tirava nota boa em tudo. Mas em Ciências, era só nota dez. Ela fazia todas as experiências que a professora sugeria, depois ainda procurava outras em livros e continuava experimentando. E não era por conta da feira, não! Ela fazia porque gostava, sempre gostou, bem antes da feira. Ela tinha até um mini laboratório, que era um estojo grandão com uns tubinhos de vidro e uns potinhos coloridos, escrito 'Meu Pequeno Químico'. O estojo dizia isso, mas daí a Manu pegou uma canetinha cor-de-rosa e puxou as perninhas dos Os, para que o estojo dissesse 'Meu Pequena Química'. Ficou meio estranho, mas ela gostava assim. E como a Manu vivia experimentando, quando anunciaram que já poderíamos nos inscrever na feira, sabíamos que a única dificuldade que ela teria seria em escolher qual experiência mostrar. E também sabíamos que ela tinha grande chances de levar o ouro para casa.
Logo no primeiro dia, nos inscrevemos na feira. A Manu foi a primeira. Escolheu o que iria demonstrar: fermentação. Eu escolhi fotossíntese. Não sei o que o Léo e o Pedro escolheram, mas quando vi a opção do Xará, sabia que ia dar problema. Estava lá, escrito em letras maiúsculas o que ele iria demonstrar. Combustão.
O Xará era fera em matemática. Sabia tudo de números, e tal. Mas penava com as aulas de Ciências, tinha dificuldade em tudo. Todos imaginávamos que ele ia escolher uma experiência bem fácil, algo que não fosse tão trabalhoso. O negócio é que desde o campeonato de bolinhas de gude o Xará andava danado com a Manu, e tinha decidido que quem ia levar o ouro para casa seria ele. A Manu tinha papado vinte e três bolinhas do Xará, e virou a campeã das bolinhas de gude. E o Xará achava que a feira de Ciências era a oportunidade dele dar o troco. 'A Manu levou minhas bolinhas, mas quem vai levar o ouro sou eu!', ele disse para mim e para o Léo durante o recreio. A gente até tentou dizer que era bobeira dele, e que se ele não tivesse sido tão enjoado, a Manu teria devolvido umas onze ou doze bolinhas dele, igual que ela fez com todo mundo. Mas o Xará tava cismado, e nem adiantou insistirmos que ele estava com a ideia fixa na cabeça.
A minha experiência era bem simples. Tão simples que quem me ajudou foi minha mãe, que sabia tanto de Ciências quanto eu. Eu coloquei uns grãozinhos de feijão em um copinho, coloquei um chumaço de algodão molhado e pronto! Foi só colocar o copinho na janela e deixar o sol agir. Daí fiz um cartaz explicando a ação do sol no crescimento e desenvolvimento das plantas. E o meu cartaz ficou bem maneiro, porque a minha mãe me ajudou também, e ela não gostava de Ciências, mas adorava coisa com arte – tinta, fita, tudo. Meu cartaz ficou todo colorido!
Todos os dias, quando voltávamos da escola, íamos contando como iam nossas experiências. Só o Xará que ficava quieto. Ele não dizia o que faria. Teve um dia que fui buscar um livro na casa dele e a mãe dele me disse que ele estava trancafiado no quarto fazendo sua experiência, e que nem ela sabia qual seria. Fiquei pensando que não era muito esperto da parte do Xará fazer a experiência toda sem pedir a ajuda do pai ou da mãe dele, mas também não quis me meter. O Xará tava achando que todos estávamos torcendo pela Manu, e não era verdade. Estava todo mundo dando o melhor de si, e torcendo para que a decisão fosse justa, só isso.
Chegou, finalmente, o dia da feira. Meus grãozinhos de feijão tinham crescido bem, estavam uma plantinha bem bonitinha – e meio fedorenta também – com umas folhinhas bem verdes de onde se via o grão de feijão aberto. Quando a professora perguntou quem queria ser o primeiro a se apresentar, quis ser logo o primeiro, porque o meu pai sempre me diz que quando temos um trabalho a ser feito é melhor fazermos logo de uma vez. Preguei meu cartaz no quadro, mostrando em gráficos coloridos a evolução do meu grãozinho de feijão. Mostrei a planta, disse tintin por tintin tudo o que tinha feito. Era uma experiência simples, confesso. Mas o resultado ficou legal, e a professora e a classe toda me aplaudiram muito e eu fiquei muito orgulhoso de ter feito um trabalho bacana.
Depois de mim, um a um, todos os alunos da minha série foram se apresentando. No final, só faltavam dois, a Manu e o Xará.
Os dois queriam ser a última criança a apresentar sua experiência. Mas, não tinha jeito: um seria o último e o outro o penúltimo. Como a professora viu que os dois queriam a mesma coisa, mandou que tirassem no par ou ímpar, para que a decisão fosse justa. Tiraram, e o Xará ganhou. A Manu faria sua apresentação antes da dele.
A Manu era muito tranquila, nem chiou. Ela pegou um prato grande, que estava coberto com um pano, uma vasilha e uns potes de plástico. Foi lá pra frente, colou um cartaz bem bonito no quadro e começou sua apresentação. Fermentação.
'A fermentação é um processo de transformação de uma
substância em outra, produzida a partir de microorganismos, tais como fungos, bactérias, ou até o próprio corpo, chamados nestes casos de fermentos. Um exemplo de fermentação é o processo de transformação dos açúcares das plantas em álcool', a Manu ia explicando. E apontava, conforme ia falando, o que estava no seu cartaz. Daí ela fez uma coisa fora de série. Pediu que todos nos aproximássemos, para ver a experiência da fermentação de perto. Ela pegou um dos potes de plástico, o maior de todos, e colocou um pouco d'água dentro dele. E então ela pegou um outro potinho, que continha um pózinho granulado marrom-claro, e jogou na água. Por último, pegou um pó branco no menor pote de plástico e jogou mais um tanto na mistura. 'Este', ela disse, ' é açúcar. Podem provar'. E todo mundo meteu um dedinho no pó branco e enfiou na boca para ter certeza, e era açúcar mesmo. Depois que ela colocou tudo no pote grande, pegou uma colher e misturou. Quase na mesma hora, o troço começou a dar uma borbulhada. Ela disse que teríamos que esperar mais um pouco, cobriu a mistura com outro pano, pediu que sentássemos e continuou a explicação dos fermentos e açúcares. E ela falava com tanta certeza, e com tanto gosto, que até eu estava bem curtindo aquela aula de Ciências. Quando ela acabou de falar tudo, pediu que nos aproximássemos novamente. Ela descobriu o pote da mistura e nos mostrou o quanto tinha crescido – ou melhor, fermentado. E perguntou:'vocês sabem o que fazer com isso?' Todo mundo disse que não, e então ela descobriu o prato grande que estava com pano. Dentro dele, vários pedacinhos de pão recheados com queijo. Todo mundo gostou e aplaudiu muito, até porque o pãozinho estava mesmo uma delícia!
Depois da apresentação da Manu, ficou claro que o Xará teria que ter feito algo de outro planeta para levar o ouro para casa. Ele estava bem confiante, levou um cartaz enorme e colou no quadro. Depois levou sua experiência, que estava toda enrolada em um papel celofane azul. Quando ele tirou o papel, vimos um vulcão, todo bonito, em marrom e vermelho, que ele colocou em cima da mesa. E todo mundo fez 'aaaaaaahhhhhh!!!!' ao mesmo tempo, porque estava bem caprichado e porque todo mundo gosta de ver um vulcão.
O Xará começou a falar da combustão, mas ninguém estava prestando muita atenção. Todo mundo queria ver era o troço funcionando, por isso só ouvimos quando ele disse ' eu vou demonstrar.'
O que aconteceu em seguida só não foi um desastre completo porque a professora estava atenta. O Xará jogou um pó preto lá dentro do vulcão, e o pó era pólvora, que ele tinha juntado catando tudo quanto era fósforo que tinha na casa dele. Era para ter saído uma larva flamejante lá de dentro, mas nada aconteceu. Então, ele jogou um palito de fósforo acesso dentro do vulcão, antes que a professora tivesse tempo de impedir. E daí: Bum! O troço fez um barulhão, voou pedaço de vulcão para tudo quanto é lado e a professora só teve tempo de gritar ' todo mundo pro chão', e todas as crianças se jogaram no chão enquanto os adultos corriam para apagar o fogo.
Claro que o Xará não levou o ouro. Levou foi uma bronca tremenda, da professora, da diretora e dos pais dele, que disseram que ele não poderia ter feito uma experiência tão perigosa sem a ajuda de um adulto. O meu pai me explicou, depois, que para a experiência dele ter dado certo, ele teria que ter usado também um tal de bicromato de amônia, mas disse também que a experiência não era para a nossa idade e que só devemos dar o passo que a nossa perna alcança.
O primeiro lugar foi mesmo para a Manu. Ela escolheu algo simples e demonstrou de uma maneira muito criativa. E todo mundo prestou atenção e gostou muito, e eu acho até que foi por isso que a professora deu a ela a medalha de ouro.
E, quanto a mim, que não tinha grandes pretensões quanto à feira de Ciências, acabei levando a medalha de prata! A professora disse que eu consegui prender a atenção da turma porque fui claro, objetivo e honesto na minha apresentação, e que a minha experiência tinha sido baseada em algo que vínhamos aprendendo em sala de aula e que eu realmente tinha entendido o espírito da feira.
Eu fiquei todo feliz de ter ganhado a medalha e a professora deu uma explicação bem convincente. Mas, cá entre nós, eu acho que ganhei mesmo a medalha por causa do cartaz colorido da mamãe.


Adocica!


Ele era um menino todo bonitinho, todo cheirosinho, todo educadinho. Tinha uns pais muito legais, uma irmã que era um amorzinho, uma porção de livros e uma coleção de carrinhos. Era para viver com um sorriso largo no rosto, mas, por uma razão desconhecida, o menino bonitinho tinha uma peculiaridade. Era mal-humoradinho demais.
Tudo o que acontecia ele via pelo lado negativo, e por isso estava sempre de cara fechada. Se seu time perdesse uma partida de futebol, ficava danado da vida, reclamando que o juiz tinha roubado. Mas se seu time ganhasse uma partida, ele não comemorava. Com a mesma cara de zangado dizia que o 'time deu sorte, quero ver na próxima rodada!'
Na escola e na rua, todos o conheciam, e sabiam deste seu defeitinho de fabricação. Riam, faziam graça com ele. Ele, nada! Nem um esboço de sorriso dava. Os amigos o apelidaram de Camarra, que era a abreviatura de Cara Amarrada. Ele não se importou. Achou até graça no apelido. Mas nem por isto riu.
Quando entrava alguém novo na turma, logo estranhavam o Camarra. Ele era sempre muito bacana com todo mundo, mas sempre com aquela cara cada vez mais fechada. Daí a pessoa, um pouco sem graça, cochichava com outro alguém ' acho que o Camarra não gosta muito de mim...' E este alguém, que já conhecia bem o Camarra, ria e respondia ' não é contigo, não! Ele é assim mesmo. Sempre com esta cara de quem chupou limão com sal!' E então o Camarra fazia outro amigo, que ria do seu jeito azedo de ser.
O Camarra tinha mesmo uma porção de amigos, e nunca tinha parado para pensar que vivia assim, de uma forma tão azeda. Ele tinha uma família e amigos que o amavam, por que deveria se preocupar em sorrir?
Mas aí um dia a vida muda. E mudou no segundo semestre, quando entrou uma menina nova na turma. E ela era linda, linda demais da conta! Tinha um vestido amarelo com a saia rodada, e quando ela corria, o vento sacudia a sua saia, e parecia que saiam raios de sol das rodas de seu vestido. E ela ria, como ela ria! Um riso gostoso, aberto, verdadeiro. Estava sempre com um sorriso nos lábios. Um sorriso destes que corta o rosto inteiro, indo de orelha a orelha. E o Camarra, ao vê-la assim, sempre tão alegre, sempre tão radiante, teve uma vontade. Vontade de andar de mãos dadas com ela.
Passaram-se dias antes que ele tomasse coragem de perguntar. Os amigos insitiam 'tentar não custa, vai lá!' E então ele resolveu arriscar. Um dia, depois da aula de música, quando saiam da sala de concertos e voltavam para a sala de aula, sussurou-lhe:
  • Você quer andar de mão dadas comigo?
  • Que? - ele falou tão baixinho que ela mal ouvira.
  • Você quer andar de mãos dadas comigo?
Ela sorriu. E respondeu:
  • No dia em que você estiver bem-disposto, eu vou. - E saiu saltitando.
Camarra não entendeu nada. Ele estava bem-disposto aquele dia! Esperou, pacientemente, até o dia seguinte, e quando iam para o recreio, perguntou:
  • Você quer andar de mãos dadas comigo?
  • No dia em que sua cabeça estiver boa, eu vou.- E novamente saiu saltitando.
Aí Camarra entendeu menos ainda. E a cabeça dele estava doendo, por acaso? Esperou, e no dia seguinte, depois da aula de inglês, perguntou:
  • Você quer andar de mãos dadas comigo?
  • No dia em que você estiver contente, eu vou. - E já ia saindo saltitante, quando Camarra, sempre tão paciente, impacientou-se. Segurou em sua mão e lhe disse, sério:
  • Eu estou contente hoje! Podemos andar juntos, então?
A menina do vestido amarelo levou um susto! Não por ele ter segurado na sua mão. Mas por ele ter dito que estava contente. Nunca tinha visto alguém contente aparentar tanto descontentamento. E disse:
  • Contente? Com esta cara amarrada? Eu achei até que você estava com dorzinha de barriga!
  • Não, não, eu estou bem, nada dói! - apressou-se em dizer o Camarra.
  • Então porque esta cara tão azedinha?
  • Ah, é porque eu sou assim mesmo.
  • E por que você é assim, mesmo?
  • Porque a vida é assim, sabe? Tem muita coisa ruim acontecendo por aí. A vida é bem amarga.
  • Adocica!
  • Que?
  • Adocica, ué! Se a vida é amarga, arranja açúcar, põe mel, brigadeiro ou sorvete. Adocica. A vida tem um lado bem doce também.
Camarra sorriu. Não porque concordasse com ela. Mas pelo jeitinho que ela falou. Sorriu um destes sorrisos sinceros e impensados, e ela gostou disto. Gostou tanto que lhe deu a mão. E saíram andando de mãos dadas.
Deste dia em diante, Camarra deixou de ser Camarra. Deixou a cara amarrada para trás, começou a sorrir sempre. Mesmo quando a menina de vestido amarelo disse que não podiam mais andar de mãos dadas, porque agora ela queria andar assim com o Tonico, ele fechou a cara. Deram-se um abraço apertado e continuaram amigos. E o Camarra, que agora era um cara feliz, tratou de andar de mãos dadas com a Maria, depois com o Paty, depois com a Ana e depois com mais ninguém, porque casaram e tiveram três filhos.
E lá na casa dele, todo mundo sorri. E se alguém, por algum motivo qualquer, diz que a vida amargou e fecha a cara, eles dão as mãos. E vão para a praia, para o parque, ou para qualquer outro lugar legal. Correm como crianças, comem sanduíche de mortadela e tomam picolé de chocolate. Fazem estas coisas bobas, sem motivo, que nos fazem rir um pouquinho. Para dar uma adocicada, e nunca esquecer que a vida é doce, doce que só ela. Basta querer!



A partida de futebol


Era um domingo de sol e, como em todos os domingos, dia de futebol. Naquele domingo, no entanto, não haveria apenas uma partida: seria a decisão do campeonato! As duas maiores torcidas, cada uma de um lado do arquibancada, veriam seus craques correndo atrás da bola, deslizando pelo campo, buscando o tão sonhado gol. Todos estavam eufóricos!
Pouco depois das três o estádio já estava cheio. Os jogadores, na concentração,
combinavam o modo de ataque, a melhor defesa. Cada movimento contava, eles sabiam. Futebol é um jogo de equipe: precisavam estar bem afinados, todos no mesmo tom, para saírem vencedores. Dois times, dois concorrentes e a mesma vontade de levantar a taça.
Às quatro em ponto o juiz apitou e o jogo começou. E começou bem começado, com Dedé correndo direto entre seus oponentes, na gana de alcançar o gol. Conseguiu passar ligeiro e deu um chute forte...que foi parar nas mãos de Diego, o goleiro do outro time. Este foi apenas o primeiro de muitos lances ousados. Todos os jogadores, naquele domingo, viraram atacantes: todos eles queria fazer um gol, para desespero dos goleiros, que viravam e se reviravam como dava, tentando impedir a redonda de tocar o lado de dentro da rede.
Em uma jogada não ensaiada, Thiago conseguiu vencer a barreria inimiga e, para desespero de Fernando, o goleiro, marcou o primeiro ponto do jogo. Um a zero, a arquibancada do lado de cá quase veio abaixo! Gritos de 'é campeão' faziam tremer o estádio inteiro, enquanto o jogador, orgulhoso, jogava beijos para a plateia.
A disputa continuava acirrada e, não demorou muito, foi a vez da outra torcida comemorar. Alex conseguiu vencer a barreira de Diego e empatou o jogo, sob o grito de 'Vamos virar!' de sua torcida.
Bernardo passando para Felipe, Leandro impedindo, se jogando na frente da bola.
  • É falta! Foi no calcanhar dele! - gritava a torcida de cá.
  • Foi na bola! Foi na bola! - gritava a torcida de lá.
O juiz correu para o lance, mas não tinha visto o que acontecera. Lançou um olhar de súplica para o bandeirinha, que acenou. Foi falta, sim. Marcada na hora, o jogo seguiu.
Vieram outras faltas, veio um pênalti – perdido, para desespero do batedor e da torcida inteira! - vieram muitos lances. Gol, mesmo, não vinha. E então, de repente, veio, sem ser convidada, uma presença inesperada.
No meio daquela confusão de ataque e defesa, caiu o primeiro pingo sem que ninguém sentisse. Por pouco mais de um segundo, porque em seguida ela veio forte e impiedosa. A chuva!
A chuva encharcou os jogadores em minutos. A arquibancada esvaziou rapidamente, com muitos procurando abrigo. Os fanáticos continuaram ali, torcendo, empurrando os times para a frente. Os jogadores caíam no campo molhado, levantavam imundos. E continuavam correndo atrás da bola.
Os jogadores poderiam ter suportado a chuva o resto da partida. Era uma decisão de campeonato, afinal, não deveriam desistir por conta de um tantinho de água a cair do céu. Mas nem todo mundo pensava assim...
A primeira a aparecer, exatos seis minutos depois do começo da chuva, foi a Dona Almerinda. De capa e segurando um guarda-chuva, gritou para o artilheiro Dedé:
  • André, sai da chuva agora! Não quero você resfriado! Vamos embora para casa!
O menino não teve tempo de argumentar:
  • Mas, mamãe...
  • Nem mas, nem meio mas. AGORA! - disse, firme, obrigando o menino a deixar o campo.
Em seguida vieram a Dona Laura, a Dona Estela, a Dona Carmela... uma a uma, todas as mães do bairro correram até o campinho para levar seus campeões para casa.

A arquibancada improvisada com cadeiras de praia logo deixou de existir e o campinho de terra batida virou uma enorme poça de lama. Que triste fim para um campeonato... Mas só até domingo que vem, porque aí já é outro dia, com novos ânimos, muita animação e a vontade de ver seu time ser campeão de novo. Porque quando se é criança, todo domingo é dia de campeonato. E todo mundo que sabe aproveitar isto já é um campeão.