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A menina cinza

A menina cinza




Ela entrou na minha turma no meio do inverno. Um inverno frio, em que não se via uma fresta de sol. Talvez por isso, de início, eu não tivesse prestado muito atenção. Tudo estava tão sem cor aqueles dias que eu não me dei conta disto. Ela era uma menina cinza.

Ela era uma menina cinza, mas não literalmente, claro. Ela tinha a pele mais clara que a minha, e o cabelo era um pouco mais escuro que o meu. Mas ela estava sempre de cinza, aquela menina. Eu não sei, até hoje, o porquê daquilo. No inverno, com casacos, cachecóis e luvas, todo mundo ficava um pouco sem cor. Mas ela não tinha cor nenhuma mesmo. Do sapato ao laço no cabelo, tudo era cinza. E um dia eu notei isto.

Sempre gostei de fazer novos amigos, e por isso logo nos tornamos próximos. Ela me convidou para ir à sua casa, e eu aceitei logo. No dia marcado, estava eu lá. Era a casa mais bonita que eu já tinha visto. Era grande, muito maior que a casa de meus outros amigos. E era toda cinza- nas paredes, o gelo, no sofá, o chumbo, e em todos os detalhes, todas as nuances daquela cor tão sem cor. E eu achei aquilo muio esquisito.

Passados alguns dias desta visita, minha mãe me chamou. Disse que a mãe da menina de cinza tinha ligado, e perguntado se eu não queria ir lá brincar novamente. Falei a verdade para a minha mãe – devemos sempre falar a verdade para as nossas mães. Eu disse que a casa era cinza, que tudo era muito bonito, mas de um cinza tão cinza, que eu me sentia preso em uma gaiola, como um pássaro colorido que não pode abrir as asas e voar.

Minha mãe deu um suspiro e ficou pensativa. Depois ela me disse algo que eu nunca tinha pensado. 'Dias e pessoas cinzas sempre haverão. Mas quem sabe se tudo o que precisam não é de um toque de cor?' E então ela me disse: ' Davi, você é um raio de sol. Ilumine a sua amiga!' E me deu um estojo enorme, com todo tipo de lápis de cores, e um bloco com folhas coloridas.

Quando cheguei na casa cinza da minha amiga, eu não me deixei contagiar pela cor. Eu logo disse: ' vamos desenhar!' e mostrei as folhas e os lápis coloridos que minha mãe tinha me dado. Passamos a tarde toda assim, colorindo. No final, eu sugeri fazermos o que fazemos na minha casa. Escolhemos os que mais gostamos, e colamos nas paredes com fita adesiva. Quando a mãe dela chegou na sala e viu aqueles desenhos por todos os lados, arregalou os olhos. Achei que ela fosse ficar zangada. Ao invés, deu um sorriso.

E aí aconteceu algo legal. Eu fui convidado para ir novamente na casa da menina de cinza. Peguei meu bloco e os lápis coloridos e fui. Quando eu cheguei lá, era outra casa. As paredes cor de gelo tinham sido pintadas por um azul clarinho, que lembravam um dia bonito de sol. O sofá chumbo tinha ganhado acompanhantes: diversas almofadas com cores vibrantes agora estavam ali a enfeitá-lo. E os nossos desenhos tinham virado quadrinhos, que a mãe dela mandou emoldurar e espalhou por todas as paredes da sala. A menina de cinza não vestia cinza este dia. Estava com um vestido amarelo, e brilhava como o sol.

Eu percebi algo que minha mãe sempre diz. Não importa quão cinza esteja o dia. Não importa quão cinza sejam as coisas. Nós sempre podemos colocar cor em nossas vidas...



1 comentários:

carol disse...

Eneida,

Já reparou como as crianças gostam de cores vivas ? Sempre que a Carol escolhe uma cor, é a mais vibrante.
Quanto à historinha, como as amizades podem colorir nossa vida. Gostei da coragem do menino em cores novas para a amiga, sem medo de ser repreendido. Adorei !

Bjos,
Letícia

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