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A menina que não gostava de cachorros

A menina que não gostava de cachorros


Betina era uma menina educada, esperta e muito dócil. Era extremamente zelosa no cuidado com seu aquário, mantendo-o sempre limpinho e dando a ração para seus peixinhos. Adorava a cacatua da vizinha do apartamento do lado, a Mary, e sempre que podia ia visitá-la – levava pedacinhos de cenoura e ficava um tempão conversando com a ave enquanto ela mastigava o presente. Mas a maior loucura de Betina era Filó. Filomena, ou Filó para os íntimos, era a gata angorá de sua tia-avó. A tia Zefa morava relativamente perto, e como ela não tinha tido marido nem filhos, Filó era como se fosse sua filha: coberta de mimos. Os pais de Betina, todo sábado, diziam para ela se vestir bem bonita porque iriam visitar a tia Zefa. Betina adorava! Não apenas porque tia Zefa fazia um doce diferente a cada sábado, mas porque ela podia ficar a tarde toda brincando com Filó. Tia Zefa trazia uma porção de brinquedinhos, espalhava no chão da sala e dizia: 'para as minhas duas meninas preferidas se divertirem.' E elas realmente se divertiam! Betina era capaz de passar horas escovando o pêlo da gata que, preguiçosa, chegava a cochilar no colo da menina. Tia Zefa parecia muito satisfeita em ver estas cenas.

Como Betina era muito carinhosa com todos os animais, era de se esperar que, quando o vizinho do apartamento em frente comprou um cachorro, Betina fosse cair de amores pelo bicho. Para surpresa de seus pais, Betina não queria nem se aproximar do animal.

De início, os pais de Betina acharam que ela poderia ter medo, e diziam que o cachorro era bonzinho, era amigo, e que ela poderia se aproximar. Nada feito. A menina realmente mantinha distância do animal. Os pais resolveram respeitar sua decisão.

O problema é que seus pais começaram a prestar atenção na relação de Betina com outros cachorros. A menina, louca por gatos, aves e peixes, começou a dar sinais de que tinha uma tremenda implicância com os cães. Primeiro ela apenas não se aproximava. Mas, com o tempo, ela começou a destratar todos os cachorros que cruzassem o seu caminho.

Era notório. Se fossem visitar alguém que tivesse um cachorro pequeno, por exemplo, a menina dava um jeito de esconder os brinquedos do animal. Quando o cãozinho estava distraído procurando por suas coisas, ela ia até a tigela de água e derramava a água toda no chão, para deixar o animal com sede. Fora as vezes em que conseguia prendê-los no banheiro! Já quando visitavam alguém que tinha um cachorro de grande porte, Betina fazia pior. Aproximava-se do bicho, ficava perto uns três segundo e começava a chorar alto, dizendo ter sido mordida. Os animais, coitados, eram postos de castigo sem ter ideia do que tinham feito!

Claro que isto não durou muito, porque seus pais perceberam logo. Chamaram-na, então, para uma conversa bem séria.

  • Betina, o que está acontecendo? - perguntou sua mãe

  • Como assim? - respondeu a menina

  • Queremos que você explique porque implica tanto com os cachorros – continuou o pai.

  • Que cachorros? - indagou Betina

  • Todos os cachorros, ora! Você sempre dá um jeito de deixar todos os cães sem brinquedinhos, com sede ou pior ainda, de castigo por algo que não fizeram! - retrucou o pai, um pouco zangado com o cinismo da filha.

  • Eu tenho agora culpa que os cachorros mordem? - respondeu, desafiadora, a menininha.

  • Não, não tem – interrompeu a mãe, em tom conciliador. Como você e eu mordemos também!

  • Eu nunca mordi ninguém! - protestou Betina.

  • E também nunca foi mordida por cachorro nenhum – continuou a mãe. Mas um cachorro pode te morder, do mesmo modo que você pode mordê-lo.

  • E o que estamos querendo saber – o pai interviu – é o porquê desta birra com os coitados. Você gosta tanto de bicho, filha, não tem razão para tratar tão mal os cachorrinhos.

  • Não gosto de cachorro! - afirmou Betina.

O pai e a mãe se olharam com espanto. Como ela poderia não gostar de cachorros, se gostava de todos os outros animais? Justamente cachorro, que era o bicho preferido de seu pai! Ela tinha tido, mais nova, contato com diferentes cães. De onde teria surgido esta pinimba? Sua mãe, com voz suave, perguntou:

  • Por que você não gosta de cachorros, minha filha?

  • Não gosto e pronto! - a menina justificou.

  • Não gosto e pronto não é resposta! - seu pai estava perdendo a paciência – tem que ter um motivo! Você disse que cachorro morde, mas gato também pode te morder e você adora a Filó!

  • É diferente! Muito diferente! Cachorro é cachorro e gato é gato. E eu sou uma pessoa de gato! - a menina respondeu com firmeza.

Desta vez, o espanto dos pais foi ainda maior. Como assim 'uma pessoa de gato'? O que Betina queria dizer? Sua mãe, sem perder a suavidade, continuou:

  • Betina, o que você quer dizer com isso?

  • Isso o quê? - agora a menina é que parecia confusa.

  • Ser uma pessoa de gato. O que isso quer dizer?

  • Ah, isso. É assim: ou você gosta de cahorro ou você gosta de gato. Eu gosto da Filó, sou uma pessoa de gato! - esclareceu a menina.

  • Quem te disse isso, Betina?– o pai quis saber.

  • A tia Zefa! Ela me disse que cachorros são carentes e ficam querendo pular na gente, e que gatos são autênticos, só se aproximam de alguém quando gostam de verdade. A Filó gosta de mim de verdade, vocês sabem, e é por isso que eu sou uma pessoa de gato. A tia Zefa também é! Ela me disse que antes de eu nascer, ela teve duas outras gatas, e que elas sempre foram suas companheiras. Ela me disse também que quando eu crescer mais um bocadinho, ela vai me dar uma gatinha de presente.

Seus pais olharam-na com surpresa. Quando será que tia Zefa tinha dito tudo isso sem que eles percebessem? E por que ela teria dito isto? A mãe de Betina, calmamente, perguntou:

  • Betina, qual a sua cor preferida?

  • Amarelo e rosa, mãe, você está careca de saber! - a menina respondeu rindo.

  • Não. Qual a sua cor favorita, amarelo ou rosa?

  • As duas! - a menina afirmou.

  • Só pode escolher uma, Betina. É uma cor preferida – o pai emendou.

A menina fez uma cara engraçada, de quem está fazendo uma conta de divisão muito difícil sem usar a calculadora. Pensou, pensou, e não conseguia decidir. Achava o amarelo lindo, gostava da cor do sol, pintava-o em todos os seus desenhos. Já com o rosa pintava flores e os vestidos das suas bonecas. Não podia ter um desenho sem sol, e também não queria um desenho sem flores! Como poderia escolher entre as duas? Por fim, disse:

  • Gosto das duas cores, da mesma forma. Por que eu tenho que escolher apenas uma?

Seus pais sorriram. Tinham certeza que ela daria esta resposta.

  • Não precisa escolher, Betina. - disse sua mãe

  • Assim como não precisa escolher entre cachorro e gato – continuou o pai. - Não é porque você gosta de um que não pode gostar do outro, filha. É como com as suas cores: você gosta de todas as cores, e prefere o amarelo e o rosa. Com os animais, é a mesma coisa: você pode gostar de todos eles, mas preferir os gatos.

  • E pode gostar de cachorros também! - a mãe emendou. O que não pode, de jeito nenhum, é achar que, porque gosta de um, o seu é melhor, e destratar os outros. E isto vale para tudo na vida!

  • Quando crescer, Betina – o pai interveio – você terá uma posição política, você terá uma religião. E você conhecerá diversas pessoas que não terão as mesmas posições que você. E todas estarão certas, cada uma do seu , sejeito!

  • Todas estarão certas? - a menina desconfiou.

  • Sim, por que não? - a mãe respondeu rindo.

Betina parecia um tanto intrigada com toda aquela conversa, e seus pais resolveram dar o assunto por encerrado. Em três semanas, no entanto, tomaram uma decisão. Era o aniversário da tia Zefa e eles lhe deram de presente um cachorrinho. Tia Zefa, sem graça com a situação, agradeceu o presente sem saber o que fazer. Betina cochichou em seu ouvido ' tá tudo bem tia! Você pode ser uma pessoa de gato e de cachorro também!'

Hoje em dia, tia Zefa e Betina são pessoas de gato e cachorro! Fidel, o cachorrinho da tia Zefa, é engraçado, companheiro, e faz uma bagunça danada com a Filó – que, por sua vez, adorou ter ganhado um amigo. Todo sábado Betina ainda visita a sua tia, e brinca com os dois bichos da casa. Tia Zefa comprou ainda mais brinquedinhos desde que Fidel chegou, e quando se sentam todos no chão, ela anuncia ' aí estão minhas meninas e meu menino preferidos! Trouxe mais coisinhas para vocês!'. E todos se divertem muito juntos. Ainda bem. Afinal, o que seria do amarelo se todos só gostassem do rosa?

5 comentários:

Aretusa disse...

Hahaha, adorei o "eu sou uma pessoa de gato!!" Fiquei imaginando uma pessoinha dizendo isso super convicta!! Eu sou uma pessoa de cachorro, mas tenho uma filha e uma enteada apaixonada por bichos, principalmente gatos. E quero que assim seja, não acho que elas devam preferir um ou outro, se tiver que acontecer, que seja por conta delas!!
E é uma ótima história para se conversar sobre diferenças e preconceitos!!
Beijocas.

Carla Mãe da Maria Clara disse...

Vim te visitar porque vi um post da Are, minha amiga, olha ela aí em cima. Que blog lindo.
Adorei e vou ler todo dia uma historinha pra poder contar pra minha boneca Maria Clara.
Parabéns pela iniciativa e idéia do blog.
Amei!
Bjs!

Carla disse...

Dadá, adorei a história da Betina. Eu que era uma pessoa só de cachorro e agora amo a gatinha Cleo, me identifiquei com ela rsrsrs. Bjs

Dadá disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dadá disse...

Aretusa, a ideia era esta mesma - levar a ideia de que os outros impoem seus pré-conceitos às crianças que, muitas vezes, acabam repetindo um comportamento sem saber nem o porquê. Acho lindo ver uma criança que desafia, questiona, não aceita qualquer coisa. E nós, como mães, temos mais é que estimular este comportamento. Eu não quero que o Davi cresça dizendo 'sim, senhor', para tudo. Tem que questionar, decidir se concorda e aí se posicionar...

Carla, que bom que voê gostou do blog! Melhor ainda que já está disposta a criar o hábito de ler uma historinha por dia. Os pequenos gostam, ams você vai ver: prá gente também é divertido prá caramba! :-)

Carlinha, você sabe minha opinião: cachorro, gato, o que vier é bem-vindo! Amo, amo, amo!!! Quanto mais bichos por perto, melhor o meu humor - exceto quando o Davi está tentando dormir e a Tininha, histérica, late sem parar para o Théo se mandar do telhado! hahahahaha

Beijos para todas

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