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O campeonato de bolinhas de gude

Gente,

a historinha do dia fala sobre um grupo de amigos disputando um campeonato de bolinhas de gude que vive sendo interrompido... Espero que vocês gostem - eu adorei escrevê-la!

E o concurso 'Eu quero ganhar o livro infantil do João Ubaldo Ribeiro' continua! Veja como participar aqui, no post embaixo da historinha de hoje, ou clique na palavra 'concurso', na barra lateral 'categorias'.

É isto. Boa leitura e boa sorte!

Mil beijos e bons sonhos!!!



O campeonato de bolinhas de gude



Na rua onde eu moro quase não tem criança. Além de mim, só a Duda. E, na verdade, a Duda nem mora na rua, quem mora é a avó dela. Mas como ela vem para a casa da avó quase todos os dias, ela também faz parte da turma. Já na rua de trás, a Rua das Valsas, chove criança! Tem o Pedro, o Léo, o Toninho, a Manu e o meu xará, o outro Davi. Como eu nasci primeiro e ele depois, eu fiquei sendo o Davi, e ele o Xará. Eu acho Xará um nome bem estranho e não ia gostar muito que me chamassem assim, mas o Xará até que gosta de ter este nome.

Todos tínhamos praticamente a mesma idade, e, por isso, brincávamos juntos todos os dias quando voltávamos da escola. A brincadeira preferida era o pique. Qualquer pique. Pique -pega, pique-esconde, pique-bandeira – este era o que eu mais gostava. Cada dia um sugeria um pique diferente e tinha brincadeira para todos os dias da semana. Quer dizer, isto antes do presente.

O presente quem ganhou foi o Pedro. Foi no aniversário dele, e ele contou que uma tia dele que deu. Uma coleção de bolinhas de gude. Nós não tínhamos bolinhas de gude até então, mas quando o Pedro surgiu com a coleção, todo mundo quis ter também, até as meninas. Bolinha de gude não deve ser um brinquedo muito caro. Todos os pais compraram as bolinhas de gude, sem ser aniversário de ninguém, e até o final da semana cada um tinha um saquinho de bolinhas de gude para brincar.

Só brincar não tinha graça, claro. O Toninho, que é fã de uma disputa, foi quem sugeriu: 'vamos fazer um campeonato!' Todo mundo concordou porque ninguém sabia jogar muito bem ainda, então a disputa seria bem leal.

Pensamos onde poderíamos fazer o nosso campeonato, e o lugar mais óbvio que nos veio à cabeça foi o campinho abandonado da Praça da Jaqueira. A Praça da Jaqueira fica no final da Rua das Valsas e não tem nada. Quero dizer, nada desde que eu sou gente. Já deve ter tido um dia, mas nem meus pais e nem os pais de ninguém lembram mais. O que tem lá são uns ferros, que são os restos de uma gangorra e de um escorrega. Mas só tem o ferro, nem dá para brincar neles. Ainda assim, tinha espaço de sobra para o nosso campeonato. Marcamos tudo, e no sábado à tarde estávamos todos na Praça da Jaqueira para nossa disputa de bolinhas.

Era a segunda rodada. Eu tinha ganhado duas bolinhas do Léo. O Toninho tinha perdido quatro para a Duda. E a grande vencedora da rodada era a Manu, que tinha levado oito bolinhas do Xará. Estávamos nos preparando para as semifinais quando passou a Dona Candoca. Dona Candoca era um doce, todos gostávamos muito dela. Mas ela era também a presidente da Associação de Moradores, e não deixava ninguém fazer nada errado. E nós não sabíamos que estávamos fazendo alguma coisa errada. Só que, ao nos ver ali, debruçados sobre as bolinhas no chão de terra da pracinha, Dona Candoca deu um grito. Chamou-nos, disse que era muito perigoso ficarmos ali, que aquela terra não era tratada, que os ferros estavam enferrujados e tudo o mais. Ninguém queria desobedecer a Dona Candoca, mas ninguém queria parar com a partida – principalmente o Xará, que queria recuperar suas bolinhas de qualquer jeito. Daí ele explicou a situação para ela, que disse que iria resolver o problema.

Dona Candoca resolveu, mas não resolveu. Ela ligou pros pais da gente, perguntando se eles sabiam os riscos que tínhamos de pegar uma doença naquela pracinha abandonada. Falou um monte. E os pais da gente nos proíbiram de brincar lá, claro. Aí o Léo reclamou, e depois o Toninho, o Pedro... No final das contas, o pai do Toninho disse que poderíamos fazer o campeonato lá na casa deles, na semana seguinte.

No dia marcado, estávamos todos lá. O Xará já tinha ganhado mais um montão de bolinhas de gude, mas ainda estava fixo na ideia de recuperar as que tinha perdido. Só que ele não era muito bom no jogo. Logo na primeira rodada, perdeu duas para a Duda. Na segunda, levei três bolinhas dele. Na terceira rodada, para o azar dele, caiu junto com a Manu.

A Manu tinha um jeito tremendo para jogar as bolinhas de gude. Quem jogava com ela, perdia. Só que ela era legal e fazia assim: de cada três bolinhas que papava de um, devolvia duas e ficava com uma para ela. Só que o Xará reclamava tanto tanto tanto, e dizia que ela estava roubando e tal, que ela não devolvia as dele. Dizia ' Xará, tá dizendo que tô roubando então te vira! Aprende a jogar melhor que eu, porque as suas bolinhas eu não devolvo!' Quando o Xará e a Manu foram sorteados, nesta terceira rodada, para ficarem juntos, todo mundo sabia que ia dar galho. Mas ninguém podia adivinhar o tamanho do galho. Nem o que aconteceria depois.

O Xará já tava nervoso. Logo de cara, a Manu levou umas três bolinhas dele. Duas, quatro, uma, cinco... Cada vez que ela mirava nas bolinhas, pimba! Levava um tanto. Até que teve uma hora que ela se distraiu e perdeu. Não as bolinhas. Perdeu a vez, e daí o Xará tinha que jogar.

Claro que o Xará queria recuperar todas as suas bolinhas, estava ansioso por isso. Só que o Xará é bem estabanado. E é meio brucutu também, não sabe medir a própria força. Daí ele foi jogar a bolinha, mas estabanou-se todo - jogou a bolinha com força demais. Se tivesse sido só isso, nem teria tido problema. Só que a bolinha bateu no chão, quicou na parede e, num piscar de olhos, saiu voando para a frente do Tito, o cachorro da mãe do Toninho.

Ninguém teve tempo de fazer nada. Antes que pudéssemos alcançá-lo, Tito já tinha engolido a bolinha de gude. Quero dizer, engolido não. Ele tentou engolir, mas a bolinha ficou entalada na goela dele. Foi uma gritaria, todos nós correndo para ajudar, mas sem saber o que fazer. O Toninho chamou pela mãe dele, que botou o Tito no carro e correu pro hospital. Hospital de cachorro, não de gente.

O resto do dia não conseguimos jogar, brincar, fazer nada. Todo mundo tava preocupado com o Tito, querendo saber se ele ia ficar bem. A mãe do Toninho voltou com o Tito já quase na hora da janta. O Tito chegou latindo, pulando e fazendo festa na gente. Ficamos aliviados porque ele tava normal. Mas isso também só durou um segundo, até vermos que a mãe do Toninho não tava normal. Ela tava com cara de muito zangada, como se a bolinha de gude tivesse entalado era na goela dela. Daí ela deu uma bronca em todo mundo, que era perigoso o que tínhamos feito e coisa e tal. E o Xará, sem graça, pediu desculpas, disse que não tinha feito por querer. Só o Léo que não gostou muito da história e reclamou de volta, dizendo que nós não tínhamos lugar para brincar, que a Dona Candoca nos expulsou da Praça da Jaqueira porque era perigoso, e ali era perigoso por causa do Tito e nunca que conseguíamos terminar nosso campeonato. Nós não acreditamos do jeito que o Léo enfrentou a mãe do Toninho, mas até que foi bom. Ela mudou de cara e disse ' eu vou resolver isso.'

O que aconteceu depois, nós não sabemos. Ficamos sem campeonato por quase um mês. Enquanto isso, uma coisa estranha acontecia: começou um tremendo entra e sai na pracinha. Não de crianças, mas de gente grande.

Um sábado, minha mãe me disse:'pronto, hoje é o dia, vamos prá pracinha'. Eu não entendi nada, mas também não perguntei porque eu queria mesmo era sair de casa para brincar. Quando cheguei, a Dona Candoca, a mãe do Toninho e o Toninho já estavam lá. Aos poucos, todos chegaram. A Praça da Jaqueira parecia outra praça! Tiraram os ferros enferrujados, colocaram uma grama no lugar onde só tinha terra, fizeram uns canteiros de flores. E, para melhorar, compraram uma gangorra e um escorrega novinhos em folha! Nós, as crianças, estávamos maravilhados com aquilo.

Dona Candoca começou um discurso que aquilo era uma obra da Associação de Moradores, e que nós deveríamos preservar a pracinha, e isto e aquilo. E mãe do Toninho estava toda prosa, dizendo que ela que tinha solucionado o problema, dizia 'as crianças precisavam de um lugar para brincar e eu convenci a Dona Candoca a usar os fundos da Associação na pracinha'.

Para as crianças, tanto fazia quem tinha feito o quê. O importante era que agora tínhamos um lugar para brincar. Mas se vocês quiserem a minha opinião, acho que devemos mesmo é agradecer ao Tito. Ele foi uma amigão pegando aquela bolinha de gude e se engasgando para nos ajudar...


Ah! E para quem quiser saber, a Manu ganhou o campeonato, papando vinte e três bolinhas do Xará!

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