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Para onde voam os aviões de papel? - PARTE FINAL


Sookie voava bem alto no céu. De cima, viu o telhado de sua casa e da casa dos vizinhos. Passou pertinho do sino da Igreja e avistou o grande telhado amarelo de sua escola. O aviãozinho ia subindo cada vez mais alto, e as pessoas lá embaixo logo começaram a diminuir e diminuir, até parecerem formiguinhas.

De repente, Sookie foi tomando por um momento de pânico. Lembrou que não tinha a menor ideia de para onde o aviãozinho o levava. Quando fez o pedido a estrelinha, pediu para caber no avião. Não disse para onde queria ir. E quando pediu que sua irmã jogasse o aviãozinho de papel pela janela, não indicou nenhuma direção. Ela simplesmente pegou o avião e traçou uma linha reta, arremessando-o o mais longe que pôde. Agora, ele estava cada vez mais alto e sem saber onde iria pousar. Olhou para baixo e teve medo. E se fosse parar no Pólo Norte? Estaria ainda frio que em sua casa. Resolveu não pensar muito nisto. Afinal, já estava ali e não adiantava se preocupar. Era melhor aproveitar a viagem o máximo que podia.

A viagem foi mais longa do que ele esperava. Na verdade, em alguma parte do caminho, ele não se deu mais conta de há quanto tempo estava voando. O aviãozinho subiu muito alto e entrou no meio das nuvens. Ali, o clima era ameno e soprava uma brisa bem suave, que fazia fiush fiush fiush. O barulhinho da brisa era ritmado e lembrava uma canção de ninar. Sem perceber, adormeceu.

Sookie não soube o tempo que dormiu, mas quando acordou o aviãozinho já tinha pousado. Ele olhou à sua volta e não podia acreditar no que via. Coçou os olhos com força, para ver se estava enxergando direito. Continuou sem acreditar. Se sua irmã estivesse ali, lhe pediria que desse-lhe um beliscão no braço, para ter certeza que não estava sonhando. Mas Juju estava longe, em casa. Resolveu dar-se uma beliscadinha no braço, só para ter certeza. 'Ai!' Não, não estava sonhando. Aquilo ali era real, por mais surrreal que parecesse.

Saiu do aviãozinho de papel com cuidado. Pisou devagar, imaginando se afundaria. Era macio como ele imaginava, mas não afundava. Pisava numa nuvem, numa gigantesca nuvem. Olhou para a frente e, incrédulo, se aproximou. Diante dos seus olhos, a um palmo de sua mão, estava ele, o arco-íris. O maior e mais real arco-íris que já vira em sua vida. Caminhou lentamente e tocou nele, imaginando se ele se desfaria ao toque. Não se desfez. Achou graça. Deu a volta, conseguiu subir no alto do arco-íris. De lá, atirou0se, fazendo-o de escorrega. Riu muito da brincadeira, que repetiu uma, duas, vinte vezes. Já ia subindo mais uma vez quando ouviu uma voz. Uma voz fina e um pouco esganiçada que disse:

  • Chega, né, rapazinho!

Olhou para baixo e o viu. Um pequeno duende, destes que vemos em filmes, o olhava com a cara um pouco aborrecida. Desceu devagar do arco-íris, não querendo irritar ainda mais o duende.

  • Desculpe, eu estava só brincando um pouco. Não quis te aborrecer.

  • Oh, não me aborrece, de jeito nenhum! - o duende agora mostrava um sorriso aberto e sincero.

  • Mas então porque não posso brincar de escorrega?

  • Bom, poder, você pode. Mas já está aí há tanto tempo e não viu mais nada além do arco-íris.

  • Tem mais brinquedo aqui?

  • Tecnicamente, o arco-íris não é brinquedo...

  • Ah, sim, claro, desculpe. Quis dizer... tem outras coisas divertidas?

  • Sim, sim, claro que sim! Tudo aqui é divertido!

  • E que lugar é este exatamente?

  • Aqui é o final do arco-íris!

  • Onde tem o pote de ouro?

  • Exatamente! Vamos lá, que eu vou te mostrar.

O duende saiu correndo para trás do arco-íris e Sookie seguiu correndo atrás. Assim que contornaram o enorme arco multicolorido, o duende parou e apontou com seu pequenino dedo: 'veja!' Sookie olhou, encantado, o que ele apontava.

Atrás do arco, a nuvem ia se dissolvendo em um gigantesco gramado, de verde macio e muitas flores. As flores eram de variados tamanhos e cores. Sobre elas, as maiores borboletas que Sookie já vira na vida pousavam. Avistou um riacho com uma água azul azul azul. No riacho, um sem número de barquinhos de papel descia a correnteza sem pressa. Sookie olhou para cima e então percebeu: sobre sua cabeça, passavam aviõezinhos de papel voando para todos os lados. Achou curioso, e virou-se para perguntar ao duende como eles voavam até ali, mas o duende tinha desaparecido. Sookie olhou à sua volta para ver se o avistava, mas ele tinha mesmo sumido de vista. Resolveu, então, caminhar pelo gramado, para ver se o duende ou outro alguém aparecia.

Não precisou andar muito para ver outro duende logo adiante. Depois outro, e outro, e outro e mais um. Eles pegavam os aviõezinhos de papel, olhavam para eles e, em seguida, jogavam-nos de volta ao ar. Era engraçado de ver como aquelas criaturas tão pequenas pareciam se divertir fazendo isto. Sookie ficou imaginando se aqueles duendes seriam todos crianças para estarem gostando tanto de fazer aquilo. Pensava nisso quando um aviãozinho pousou junto à sua perna. Pegou-o, para jogá-lo de volta ao ar como os duendes faziam. Quando olhou para o avião, no entanto, teve uma surpresa.

Sookie estava olhando para o avião quando o seu amigo duende apareceu ao seu lado e perguntou:

  • Então, o que ele diz?

  • Como você sabe que ele diz algo? - Sookie estava perplexo com aquilo.

  • Porque eu sou daqui, lembra? - o duende riu.

  • E o que significa isto? - o menino estava um pouco confuso

  • O que?

  • O aviãozinho de papel...

  • Ah, sim. Deixe-me ver – dizendo isto, o duende pegou o avião de papel das mãos de Sookie e o olhou fixamente.

O duende disse, então: 'meu cachorro perdeu a coleira e agora não posso passear com ele. ' Colocou a mão na testa e suspirou ' difícil, difícil'. Então soprou o aviãozinho para longe. Sookie observava tudo atentamente, sem entender nada. O duende percebeu que o menino estava desorientado, e começou a explicar:

  • Escuta, você não queria ver o pote de ouro no final do arco-íris?

  • Sim, claro – respondeu Sookie.

  • Pois aí está – e então o duende apontou os aviões de papel que voavam sobre suas cabeças.

  • Os aviões são de ouro? - Sookie perguntou isto com um tom desconfiado, e o duende percebeu.

  • Não, não são de ouro. Mas valem ouro. Cada um destes aviõezinhos de papel vale mais do que todo o ouro do mundo junto! Este é o nosso pote de ouro!

  • Mas... como assim?

  • Bom, eu vou te explicar com calma, vamos nos sentar ali adiante.

O duende foi caminhando sem pressa até uma pedra que ficava no canto esquerdo do gramado. A pedra era lisa e tinha um formato parecendo de um banco de praça. O duende sentou e apontou para que Sookie sentasse ao seu lado. Começou então a falar.

  • Você sabe, há muito tempo que nós, os duendes, fomos esquecidos. Já houve um tempo em que as pessoas acreditavam na magia, tinham fé nos nossos encantos. Mas, com o tempo, foram deixando de acreditar.

  • Por que? - o menino não entendia como alguém poderia não acreditar naquilo que ele estava vendo.

  • Coisas do mundo, sabe. As pessoas começaram a pensar cada vez mais e a sentir cada vez menos. Com isto, foram perdendo o contato com a terra, com o verde. Foram se distanciando da natureza e da sua força. E pararam de acreditar em magia. Hoje em dia, se alguém diz que acredita em duendes, é tido como louco.

  • É, é verdade – Sookie lembrou-se de uma menina da escola que dizia ter visto a Fada do Dente e do quanto todos caçoaram dela.

  • Então. Pararam de acreditar em nós e nós fomos, aos poucos, deixando de existir.

  • Deixando de existir? Mas e este lugar?

  • É a nossa casa. Mas não estamos mais junto às pessoas. Ficamos aqui, apenas.

  • E porque vocês jogam os aviões de papel? De onde eles vem?

  • Os aviões de papel são os que nos mantém vivos, rapazinho. Você nos mantém vivos!

  • Eu?

  • Sim, você. Você e todas as ouras crianças são a razão de nós ainda existirmos.

  • Por que?

  • Porque vocês acreditam em magia. Cada aviãozinho de papel que vem parar aqui veio trazido pelas mãos de uma criança. Uma criança o jogou, e ao fazê-lo fez também um desejo, uma confissão, um pedido...

  • Como assim?

  • Por exemplo: o avião que você leu.

  • Do cachorro que perdeu a coleira?

  • Exatamente. Era de uma menina, que queria passear com seu cachorro mas não tinha como. Ela fez um aviãozinho de papel e, ao jogá-lo, pensou no quanto gostaria de passear com seu cachorrinho, mas não tinha como.

  • E você, o que fez?

  • Eu dei-lhe uma ideia.

  • Que ideia?

  • Que ela pegasse todos os seus laços de fita, amarrasse uns aos outros e então fizesse uma nova coleira. Assim, ela pode passear com seu cachorrinho.

  • Que boa ideia!

  • Sim, é. Às vezes, quando estamos diante de um problema, nos concentramos muito nele. Ficamos tão focados no problema que não conseguimos voltar nossa atenção para a solução dele.

  • Isto é chato, né?

  • É, porque não adianta ficar pensando no problema, adianta? Adianta reclamar dele? Colocar a culpa no outro?

  • Não, não resolve nada.

  • Pois é, não resolve. Ao invés, é preciso voltar nossa energia para tentar acabar com o problema. Você está entendendo?

  • Acho que sim.

  • Então. É assim que funciona: as crianças tem desejos, tem vontades. E tem problemas também. Só que os adultos não pensam assim. Acham que criança tem que aceitar o que eles dizem. Às vezes o menino gosta de brincar de panelinha, mas a mãe acha que ele só pode jogar bola. Qual o problema da panelinha?

  • Nenhum, ué.

  • Exatamente, nenhum. Mas os adultos enxergam tudo sob outra ótica. Então as crianças tem suas vontades secretas, seus desejos ocultos. E este é o nosso tesouro!

  • As vontades secretas das crianças?

  • O desejo das crianças por algo é sempre muito amoroso. Tudo que uma criança faz é feito com o coração, e não com a cabeça. É muito diferente dos adultos.

  • É, eu já notei isto.

  • E este amor com que as crianças fazem suas coisas, este amor com que sonham com alguma coisa, é a nossa ferramenta. Nós usamos este amor para fazer a nossa mágica. E é assim que conseguimos realizar os desejos e vontades secretas das crianças.

  • Mentira!

  • Verdade. Pensa bem. Em algum momento você deve ter querido algo que seus pais não te autorizaram. Mas que depois acabou acontecendo.

  • Sim, várias vezes.

  • Pois então. Os adultos não acreditam mais em nós, por isso não nos ouvem. Mas as crianças não perderam a fé. E é por isso que nós conseguimos ajudá-las.

  • Como?

  • Ensinando-as a querer com o coração. Ensinando-as a pensar menos e sentir mais. Porque crianças se guiam pelo que sentem.

Sookie ficou pensativo. Era fantástico tudo aquilo que acabara de ouvir. Disse, então:

  • E se você ensianassem isto aos adultos?

  • Não adianta, já tentamos. Eles não nos ouvem.

  • Mas tem que ouvir alguém.

  • Sim, tem. E vão ouvir.

  • Quem?

  • Você!

  • Eu? - Sookie estava realmente chocado com esta informação.

  • Sim, você. Você vai voltar para casa e ensinar a sua irmã que devem amar muito uns aos outros. Deve lhe dizer que devem colocar mais amor no seu dia a dia. Que tudo o que fizerem, deverão fazer com amor.

  • Só isto?

  • Isto já é coisa à beça, rapazinho! Se vocês fizerem isto, logo as pessoas que convivem com vocês farão a mesma coisa. E mais e mais pessoas começarão a fazer o mesmo. Até que chegue uma hora em que todos ajam assim, com amor. Todos terão mais cuidado uns com os outros, com os animais, com a terra.

  • Nossa!

  • Pois é, eu disse que era coisa à beça! - o duende riu.

  • E agora?

  • Agora eu vou te mandar de volta para casa.

  • Em um aviãozinho de papel?

  • Não. Se você subir num aviãozinho de papel é capaz de ir parar na casa da Vovó e agora não há tempo para isto. Eu vou te lançar um feitiço e pronto! Num piscar de olhos você estará em casa. Chegando lá, já sabe o que fazer.

  • Sim, sim – Sookie estava animado com sua missão. Sentia que era capaz de mudar o mundo todo, uma pessoa por vez.

  • Vamos lá, então. Feche os olhos.

Sookie fechou os olhos. O duende aproximou-se dele dizendo coisas sem sentido ' zingzangzongzungtungtumtum'.

Sookie não sabe o que aconteceu. Ao abir os olhos estava deitado em sua cama. Sentou-se depressa e olhou tudo à sua volta. Tudo parecia igual. Teria sido um sonho? Olhou para o chão e viu um aviãozinho de papel. Instintivamente, abriu a janela e o arremssou, sussurando: 'mais amor no mundo!'

Sua casa já não estava mais fria. Seu coração transbordava de amor e ele estava pronto para distribui-lo. 'Eu conseguirei', pensou. 'Uma pessoa por vez'.

Desceu as escadas e viu sua mãe cohilando no sofá. Aproximou-se lentamente e deu-lhe um suave beijo na testa. 'Uma pessoa por vez', pensou novamente, enquanto, rindo, saiu correndo pata despentear as bonecas da irmã.



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