Cecília no país das maravilhas
Cecília olhava distraída para as águas do rio. Entrou e saiu diversas vezes da água, até cansar. Era uma tarde amena, com sol fraco e brisa suave. Um dia bom para tomar banho de rio. A menina andara até ali sozinha, como já fizera outras vezes, para
refrescar-se. A cidade era quente, a maior parte do tempo. A praia, tão longe que Cecília não tomava conhecimento de sua existência. Mas o rio estava sempre ali, pronto, esperando por ela. E como ela gostava daquele rio! Tão distraída estava que não percebeu o perigo que a rondava.
Por toda a volta do rio, animais de todo porte circulavam. Cecília os reconhecia e amava. Alguns, no entanto, eram traiçoeiros. E foi um destes que se aproximou da menina. Uma cobra enorme rastejou discretamente até seu lado. Quando preparava-se para dar o bote, Cecília sentiu sua presença. Apavorada, saiu correndo para dentro da mata.
Cecília correu e correu até perder o fôlego. Parou, cansada, para respirar com calma. Olhou para trás: nem sinal da cobra.
Olhou à sua volta: só verde por todo lado. Tinha entrado bem dentro da mata e sabia estar perdida. 'Pelo menos estou segura', pensou. 'Mas, como vou sair daqui?'
A menina pensou em voltar no sentido de onde viera, mas o medo da cobra a impedia. Estava refletindo sobre o que fazer quando algo passou rápido ao lado dos seus pés. Cecília só viu uma pequena mancha branca pulando e, curiosa, resolveu ver o que era.
Logo adiante, o animal parou. Era um coelho, a menina viu. O pequeno coelho entrou
dentro de uma gruta e Cecília resolveu segui-lo. Mas logo se arrependeu de fazê-lo.
Cecília não poderia saber, mas a gruta não tinha chão: assim que entrou, a menina caiu num imenso buraco escuro, que parecia não ter fim. Caiu, caiu, caiu. Até que... poft! Bateu com o bumbum no chão. 'Finalmente!' - pensou – 'estou pisando em algo'. Cecília levantou e saiu andando. Notou que estava dentro de um túnel estreito. Caminhou pouco e logo chegou ao final do túnel. E o que viu foi inacreditável!
Diante de seus olhos, a mais perfeita floresta que já vira na vida! As árvores verdes,verdes, verdes, com frutas de todo tipo. O chão, coberto de uma grama macia, fininha. Flores de todas as cores enfeitavam a paisagem. Ao longe, uma cachoeira de águas bem claras terminada em um rio sinuoso. E, o mais inacreditável: um céu azul azul azul, com dois sóis brilhando forte no meio dele! Cecília coçou o olho uma, duas, vinte vezes! Não acreditava que aquilo fosse possível, mas estava mesmo vendo aquilo! Um outro mundo, debaixo da terra. Muito mais colorido e perfumado que o seu. Cecília estava encantada!
Caminhou sem pressa pela grama, parou para cheirar muitas flores. Sacudiu o galho de uma árvore e comeu a maçã mais doce de toda sua vida. Andou até o rio e tomou um banho refrescante na cachoeira gelada. Por todo canto, pássaros entoavam doces melodias. Cecília estava feliz. Nadou pelo rio calmo
Levantou-se rápido e virou-se, preparada para enfrentar um bicho. Mas, desta vez, não tinha bicho. Atrás de Cecília, sorrindo para ela, estava uma menina. Uma linda menina de cabelos amarelos e olhos azuis.
Olá! Desculpe, não quis assustá-la.
Mas assustou! Achei que fosse uma cobra!
Cobra? - a menina riu – não temos cobras por aqui!
Não tem cobras? Nunca vi uma floresta que não tivesse cobras!
Aqui não tem. Como você se chama?
Cecília. E você?
Alice.
Agora, moro.
E que lugar é este?
É a minha casa, oras!
Sua casa? Esta floresta?
Tudo isto. A floresta, a cachoeira, o rio. E minha casa, que fica logo ali adiante. - disse Alice, apontando uma casinha que Cecíli
a não tinha visto até então.
Nossa! Muito linda a sua casa! - Cecília estava encantada com aquele lugar.
Obrigada. E você? Mora perto?
Moro lá em cima, no alto do buraco.
E lá tem floresta?
Tem, sim. Tem um rio enorme, muito maior do que este aqui. E tem cobra...
Ruim ter cobra, não é?
Não muito. Só se elas resolverem pegar o pé da gente.
É, acho que sim. Você gosta de morar lá?
Gosto, sim. Moro com a minha mãe. Estamos sempre bem juntinhas.
Eu moro com a Diná, minha gatinha
Só vocês duas?
É, somos só nós duas. Como você.
É, como eu... - Cecília pensou um minuto. - Mas eu tenho a minha avó, também.
É bom ter avó?
Ah, então é muito bom!
É, sim! E ter uma gatinha, é bom?
É, muito! A Diná é muito carinhosa. Mesmo se eu dou bronca nela!
E você dá bronca nela?
Às vezes eu tenho que dar. Você sabe, é como se eu fosse a mamãezinha dela.
Tem que cuidar dela, né?
É, tenho.
As duas meninas ficaram, então em silêncio, paradas, olhando para o rio. Cecília pensava em sua mãe, agora. Estaria ela preocupada com seu sumiço? Há quanto tempo estava ali embaixo? Tinha perdido a noção das horas e achava que sua mãe deveria estar angustiada com sua demora.
Eu acho melhor eu voltar para casa, agora.
Por que?
Porque minha mãe deve estar preocupada.
Por que você não a traz aqui?
Seria bom, né?
Claro! Acho que ela ia gostar muito! E eu ia gostar de ter vocês aqui, também.
Cecília ficou pensando. Olhou tudo à sua volta, com atenção aos mínimos detalhes. Tudo ali parecia melhor do que seu mundo. As cores pareciam mais vivas, as flores mais cheirosas, o ar mais puro e os animais mais felizes. Se sua mãe estivesse ali, seria mesmo perfeito. Ficou pensando nisto durante muito tempo. Por fim, disse:
Este mundo é perfeito, Alice!
Claro que é, Cecília! É o país das maravilhas, o meu país! Mudei-me para cá e trouxe parte dele comigo. A melhor parte.
Entendo... Mas, veja, não é o meu mundo.
Mas é melhor do que o seu mundo, Cecília!
Pode ser. Meu mundo não é perfeito, mesmo. Tem muita coisa errada acontecendo nele. Tem gente acabando com a floresta tem gente que maltrata os animais...
Então! Por que você não muda para cá, de uma vez?
Cecília sorriu. E disse:
Porque aqui é perfeito. O meu mundo, não é. Mas, quem sabe, se não sou eu quem vou conseguir mudar o mundo lá em cima?
Você vai?
E por que não? Uma hora, alguém precisa começar a consertar o que está errado!
Mas aqui você também pode mudar as coisas!
Eu sei, eu sei! - riu Cecília – mas é lá que precisam de ajuda.
Volte, então, para me visitar. Ao menos prometa-me isso.
Está prometido! Agora, me diga como faço para sair daqui.
É só pegar o caminho de volta – disse Alice, apontando o túnel de onde Cecília caíra.- Vá andando e andando e quando você piscar os olhos estará de volta ao lugar de onde veio.
Ah, sim. Está certo. Bom, até a próxima! - disse Cecília, dando um abraço em Alice.
Apareça sempre! - respondeu Alice, abraçando Cecília com força.
Cecília começou a caminhar de volta e em instantes estava dentro do túnel. Ele parecia ainda mais escuro que antes e a menina não enxergava nada. Estava andando devagar, preocupada em não cair naquele imenso breu e não achar mais a saída para lugar nenhum. Andou, andou, até que...
Cecília! Cecília!
Ãhn?
Cecília, o que houve?
O que... Onde estou?
Na beira do Araguaia – respondeu sua mãe rindo. Dormindo! O que aconteceu, Cecis?
A menina olhou à sua volta. Teria sido tudo aquilo um sonho?Não, tinha sido real. Ela sabia.
Mamãe... quanto tempo eu dormi?
Não sei filha, vim te buscar agora. Vamos para casa?
Claro.
Que cara é esta, Cecis, aconteceu alguma coisa?
Eu estive viajando pelo país das maravilhas...
Ah, sim – concordou sua mãe, sorrindo. E que tal o país das maravilhas?
Muito diferente do nosso!
É mesmo? E qual você prefere?
O nosso, certamente.
Mesmo sem ser das maravilhas?
Tem muita maravilha aqui, mãe. Basta o povo ter consciência disto. E exigir mudanças no rumo da nossa história!
Nossa! Tá falando como política!
Quem sabe? - disse Cecília rindo – o que tem para o jantar?
Tudo que você quiser!
Mãe e filha, unidas como sempre, voltaram juntas para casa. Teh, a mãe de Cecília, passou a brincar com a filha, dizendo que ela era o futuro do país. Teh não sabia, mas estava certa. Toda criança é mesmo o futuro do seu país. E quem sabe não é da força do Rio Araguia que o país precisa para mudar? Pode estar tudo nas mãos de uma pequena menina, nascida às suas margens e criada com tanto amor e dedicação pela mãe, o futuro deste país de maravilhas...
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