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O boneco de neve zangado




O boneco de neve zangado





Era um dia frio, frio, e tinha nevado muito. As crianças saíram da escola aos pulos, felizes em comemorar o primeiro dia de férias. Todas, menos uma. Pedro não via motivos para comemorar. Acabara de receber seu boletim, e com ele, a notícia bombástica: não passara em matemática! Não chegou a ser uma surpresa - passara o ano inteiro lutando contra as equações – mas ainda tinha esperança de que, na última prova, teria se saído bem. Mas, isto não aconteceu e, ao contrário dos amigos, Pedro não estava de férias, e sim de recuperação. Teria que estudar durante o final de dezembro e o mês de janeiro para fazer a prova de matemática em fevereiro. Não teria descanso, como os amigos.

Pedro saiu com raiva da escola. Raiva de tudo: dos colegas, do diretor, da inspetora, e, principalmente, da professora. Por que ela não tinha sido mais generosa ao dar-lhe a nota? Se tivesse tirado uma nota muito baixa, talvez entendesse. Mas, por apenas um ponto, perderia as férias inteiras. Estava muito aborrecido.

Caminhava com passos grossos para casa quando deparou-se com um monte de neve no meio do caminho. Parou, e, com movimentos bruscos, fez um boneco de neve. Estava tão furioso que, sem notar, fez um boneco de neve zangado. Muito zangado: seus olhos pareciam maus e sua boca, retorcida, parecia prestes a dar um grito. Quando terminou, Pedro, estranhamente, sentia-se mais leve. Estava pronto para ir para casa e dar a notícia aos pais.

O que Pedro não sabia é que parte de sua amargura ficara ali, no boneco de neve. Ele o fez tão irritado que deixou nele a sua fúria. E o pobre boneco tornou-se, assim, uma grande massa raivosa de neve.

Os dias se passaram e o frio continuou. As crianças brincavam na neve com seus trenós, construíam casas, castelos, bonecos. Tudo de neve. Os bonecos eram risonhos e alegravam a vizinhança. Menos o boneco de Pedro, que tinha a cara amarrada e o olhar malvado.

Todos perceberam que tinha algo estranho naquele boneco. Ninguém queria brincar com ele, ninguém queria tirar fotos ao seu lado. Pelo contrário: mudavam de calçada para não cruzar-lhe o caminho. Pedro, por sua vez, há muito que já tinha esquecido de ter construído o boneco zangado. Seus amigos passavam perto de sua casa, andando de bicicleta, correndo. E ele, de castigo, preso à tal da matemática, ora maldizia a professora, ora maldizia a disciplina.

O que ninguém sabia, no entanto, é que o boneco não era, na verdade, um boneco zangado. Pelo contrário, era um amor de boneco! Pois este bonequinho de cara fechada tinha sentido toda a raiva com que fora construído,e, ainda assim, não se zangou. Queria encontrar o menino que o fizera, dar-lhe um abraço, brincar com ele, confortar-lhe o quanto pudesse. Sabia o quanto o menininho estava furioso E queria estar ao seu lado, dar-lhe carinho, dizer-lhe 'tudo vai ficar bem, no final'. Mas, não tinha chance. Ninguém parava ao seu lado, ninguém lhe perguntava como estava. Não tinha chance de pedir a ninguém que lhe trouxessem o menino. E assim o tempo ia passando.

Passou dezembro, passou janeiro. Em fevereiro, o frio estava mais intenso do que antes. O boneco parecia cada vez mais zangado, coberto com novas camadas de neve trazidas pelo vento. Quanto mais zangado parecia, mais as pessoas se afastavam dele. E ele, coitadinho, numa tristeza sem fim.

Um dia, o frio deu trégua e abriu um solzinho morno no céu. Um passarinho, há muito escondido do frio, resolveu dar um passeio. Estava voando baixo quando viu o boneco de neve, com a cara mais zangada do que nunca!

Ao contrário dos outros, o passarinho não teve medo do boneco. Teve pena. Por que alguém estaria tão enfurecido com algo. Parou ao seu lado e perguntou:

  • Tudo bem aí, amigo? A vida anda lhe dando muitos limões para você estar com esta cara tão azeda?

O boneco de neve quase não acreditava! Depois de tanto tempo, alguém para fazer-lhe companhia.

  • Pelo contrário. A vida só me oferece limonada doce! Passo os dias vendo as crianças brincando, e sou feliz assim!

  • Então por que esta cara tão fechada?

  • Ah, isto é uma longa história...

E o boneco de neve contou, tintim por tintim, toda sua vida, a forma como fora feito, a vontade de reencontrar Pedro.

  • Nossa! Que coisa, hein! - disse o passarinho, depois de ouvir a história todo. - Mas, escuta, eu posso te ajudar!

  • Como?

  • Ora, o menino amarrou a sua cara. Eu posso desamarrar!

  • Você consegue?

  • Amigo, com força de vontade a gente consegue tudo! - riu o passarinho- Deixa comigo!

E assim, o passarinho começou a catar sementes, folhas, tudo o que via à sua volta. Ia trazendo e deixando aos pés do boneco que, curioso, queria saber o que aquilo iria virar. Voou um pouco mais longe e achou um cachecol perdido num banco da praça. Um pouco mais adiante, uma cartola. E assim foi, trazendo tudo o que dava, até ter uma pilha de coisas ao pé do boneco zangado.

  • E agora? - perguntou o boneco.

  • Agora é que começa o trabalho – disse o passarinho, começando a mexer no boneco.

  • Cuidado, por favor! - pediu o boneco.

  • Não se preocupe. Você vai ficar como novo! - garantiu o passarinho.

E o passarinho começou a mexer e remexer no boneco, sem parar. Levou horas ajeitando cada cantinho do boneco, reparando em cada detalhe. Quando terminou, o boneco era outro. Era impossível acreditar que era o mesmo boneco. Ao invés da cara amarrada, o boneco agora exibia um largo sorriso, e seus bracinhos de neve convidavam a um abraço. O boneco de neve não cabia em si de felicidade.

  • Nossa! Eu sou um outro alguém! - disse . - Eu nunca vou poder lhe agradecer o que você fez por mim.

  • Claro que vai! - disse o passarinho.

  • Como? - quis saber o boneco.

  • Retribuindo minha amizade, ora! - riu o passarinho.

  • Quanto a isto, não há dúvida! - riu o boneco, agora feliz.

  • Ainda assim... - continuou o passarinho. - Você tem um sorriso feliz, mas um olhar triste.

  • É o meu menino – respondeu o boneco – eu ainda não consegui dar-lhe meu abraço...

  • Tenha paciência – respondeu o passarinho. - Quem sabe uma hora destas ele não passa por aqui? Enquanto isto, aproveite para brincar com as outras crianças que lhe visitarem.

  • Você está certo – disse o boneco. - Obrigado, meu amigo. Pela ajuda e pela amizade.

  • Ah, que é isso... - respondeu, um tantinho tímido, o passarinho.

Nos dias que se seguiram, várias crianças apareceram para brincar com o boneco. Abraçavam-lhe, tiravam fotos. O passarinho vinha visitar-lhe todos os dias e o boneco era só felicidade.

Até que, numa terça-feira, era o dia da prova de recuperação de Pedro. O menino ia, tenso, para a escola. Estava pensando e repensando nas equações. Aquela era sua última chance. Não podia falhar. Ia tão compenetrado nas contas que fazia em sua cabeça que quase passou direto pelo boneco de neve. Mas, o vento, que às vezes ajuda e outras atrapalha, neste dia resolveu ajudar: levou a cartola do boneco pra junto do menino. Ele, ao ver aquele chapéu engraçado, olhou ao redor procurando o dono. Logo avistou o boneco e se aproximou.

  • Aqui está, bonequinho. Trouxe-lhe sua cartola.

O boneco reconheceu Pedro imediatamente. Curvou-se, devagar, e deu-lhe um abraço muito, muito forte. Um abraço que dispensava palavras, e que dizia: 'estou aqui por você, e tudo vai ficar bem.'

Pedro não lembrava de ter construído o boneco, e, naquele momento, não lembrava mais de raiva, de recuperação, de matemática, de nada. Todos eu corpo foi coberto pelo amor que o boneco transmitia e ele sentiu-se em paz. Ficou abraçado com o boneco durante muito tempo, até que disse:

  • Preciso ir, bonequinho. Obrigado pelo carinho – e saiu correndo para a escola.

Quando chegou à escola, Pedro estava feliz. Recebeu a prova, e pensou 'eu sou capaz. Estudei bastante e vou conseguir me sair bem nesta prova.' Prestou atenção extra aos enunciados, refez as contas. Não tinha pressa, não tinha raiva. Estava calmo e concentrado.

Pedro tirou a nota máxima na prova. Prometeu a si mesmo que, no ano letivo que se iniciava, seria mais atento e focado. Em todas as disciplinas, especialmente matemática.

Quanto ao boneco de neve, ficou, finalmente, feliz de verdade. Pode, afinal, ajudar o menino que o construíra, transformando sua ira em amor. Ele e o passarinho continuaram amigos por toda a vida – mesmo quando o calor chegou e a neve evaporou. O boneco virou uma nuvenzinha e foi voar por aí junto com o passarinho...

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