Era uma vez um mato. Onde morava um gato.
Um gato do mato.
E era outra vez um morro. Onde morava um cachorro.
Um cachorro do morro.
Um dia, o gato do mato estava almoçando e ouviu:
– Socorro! Socorro!
Ai, que eu morro!
O gato do mato largou o prato:
– Cadê o rato? Vou a jato. Pode deixar que eu mato, no ato, de fato. Ou
é um pato?
Eu trato. Deixa que eu bato, desacato, faço gato e sapato…
Mas não havia rato nem pato para a valentia do gato do mato.
Só havia um cano esguichando na parede.
E os gritos do cachorro do morro:
– Ai, que jorro! Socorro! Molhou o meu pêlo até o forro. Mais um
pouco, até eu escorro. Ai, se eu não corro, acho que eu morro…
o gato ria e ria, gabava sua valentia:
– Mas que medroso! Eu é que sou valente. Não tenho medo nem de
serpente.
– Não foi medo, foi susto.
– Pois vamos fazer um concurso.
– Vamos! Eu nem tenho medo de urso…
E ficaram os dois contando vantagem, dizendo bobagem, fingindo coragem.
Nem no mato, nem no morro— no meio da praça. Os outros bichos, em
volta, achavam graça.
Dizia o gato do mato:
– Já dei um murro no nariz da perdiz, no joelho do coelho, na orelha
da ovelha.
E o cachorro do morro:
– Meti o cotovelo no camelo. E ainda puxei seu cabelo. Arranhei com a
unha a vicunha. Acabei com o papo do sapo.
Todo mundo ria e a discussão prosseguia:
– Ora, brincar com bicho manso é um verdadeiro descanso…
– Bicho muito valente duvido que você enfrente.
E acabaram fazendo uma aposta.
Disse o cachorro do morro:
– Vou dar um pontapé no pé do jacaré. E beliscar o calcanhar do jaguar.
E o gato do mato:
– Ah, ah! Pois vou dar um soco no coração do leão. E uma dentada na
onça pintada.
Os outros bichos foram atrás, para ver o que acontecia. Mas era só de
falar, toda aquela valentia. Pelo menos, era o que mais parecia.
O gato do mato pisou a pata de uma barata,
piscou o olho pro piolho,
fez careta para a borboleta.
O cachorro do morro até que se meteu numa
briga. Com a formiga. E acabou
levando ferroada na barriga.
mas continuaram contando vantagem.
De repente, bem nesse ponto da discussão, ouviu-se bem perto o rugido de
um leão. De circo ou de zoológico, ninguém sabia. Mas era bicho que por
ali não havia.
Foi logo uma confusão, uma grande correria. Bicho pra todo lado, todo
mundo atrapalhado. Só ficaram mesmo os dois. E a discussão? Ficou para
depois.
O gato fugiu para o mato.
O cachorro correu para o morro.
E logo só havia o leão na clareira. Rugindo dessa maneira:
– RRRRRRRRRRRRRRRRRRRRR
Mas logo voltaram. O gato do mato, com um monte de pratos. No alto, seu
próprio prato, para ser exato. Um por um jogado a jato, em direção ao
leão.
O cachorro do morro, com um jorro — o esguicho do tal cano.
Foi um banho no leão que ele até escorria. E mais a tal chuva de pratos
que ele não entendia.
Os outros bichos foram chegando para ver o que acontecia. E cada um foi
tratando de fazer o que podia. Cada um podia pouco, mas eles eram uma
porção, e por isso o tal leão quase ficou muito louco.
Primeiro foi só um susto, com um zurro do burro.
E com a gaivota, que voou numa cambalhota e lhe jogou uma bolota.
O ticotico picou com o bico, o tucano bateu com o cano.
Ele só ligou um tiquinho para as micagens do miquinho, mas ficou aflito
com a cabeçada do cabrito. E, ainda por cima, aquele zumbido do
mosquito… Ah, o leão teve um faniquito.
Tropeçou todo tonto no túnel do tatu.
Caiu, coitado, com os cascos do cavalo, aos coices.
e quase se quebrou com o que aprontou a cabra — que grande marrada!
Bem que o leão podia ser rei dos animais, mas não aguentava mais.
Foi andando para trás, para trás, para trás… e acabou fugindo. Para o
lugar de onde tinha vindo.
Num grande abraço, o gato do mato e o cachorro do morro descobriram uma
coisa boa: brigar pode ser útil, mas pra que brigar à toa?
– Quem está na mesma tem que ser amigo.
– E deixar para brigar junto quando vem o inimigo.
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O gato do mato e o cachorro do morro- Ana Maria Machado
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