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A princesa Tiana e o sapo Gazé - Márcio Vassalo



" A Princesa Tiana e o Sapo Gazé"


"Tiana estava cansada daquela história. Todos os dias, uma fila de príncipes se formava na porta do castelo. Vinham dos reinos mais distantes, com o mesmo sonho: ser escolhido por ela. Eles de candidatavam ao coração da princesa. Chegavam em cavalos conversíveis, muitos deles montados na grana. Eram bonitos, mas nenhum se tornava infinito. Alguma coisa incomodava Tiana. E ela não sabia o que era.

Por outro lado, alguns candidatos vinham a pé, fazendo serenata. Mas a música era chata. Havia os valentões, que se exibiam com suas espadas de fogo e corpos musculosos. Outros eram poetas, sabiam dizer belas palavras. Mas nem só de músculo e palavra vive uma mulher. Por isso, nem os grandes heróis nem os melhores versos conquistavam Tiana. A princesa estava inquieta. À noite, ela virava de um lado para o outro na cama. E não adiantava ela apagar a luz para dormir, porque seus olhos ficavam brilhando no escuro. Feito dois vaga-lumes acrobatas. Duas estrelas-do-mar. Verdes de fome.
Mas afinal, do que a princesa tinha fome? Comida não faltava no castelo. Pelo contrário. Tiana comia do bom e do melhor. Só para ela, havia dois cozinheiros de plantão. De madrugada, se ela sentisse vontade de comer pizza de maçã, sanduíche de peperoni com batata frita ou jambo com marshmallow, os cozinheiros davam um jeito de atendê-la. A princesa tinha tudo o que desejava. Mas a fome continuava. Era uma fome esquisita aquela. A princesa estava faminta. De noite e de dia. Com um sonho roncando na barriga. Faminta de magia.

As vezes, Tiana se apaixonava por algum príncipe. Mas mesmo ela apaixonada, ela não ficava feliz. A inquietude ainda perturbava seu sono. E a princesa continuava se virando de um lado para o outro. Como se estivesse num navio. Enjoada, mareada. Apaixonada, mas triste. Cercada de travesseiros fortes que a protegiam de pesadelos. Bem, pelo menos ela achava que protegiam. E Tiana gostava de achar.

Um dia apareceu o sapo Gazé. Na região, Gazé era conhecido como o terror das lagartixas. Ele gostava de beijá-las e se gabava com os amigos de fazê-las subir pelas paredes. Mal sabia Gazé que elas andavam sempre por ali, com outros sapos. Ou talvez ele até soubesse, mas escondia esse segredo tão bem que acabava se esquecendo da verdade. Gazé gostava de ser o centro das atenções. Essa era a grande verdade. Por isso, ele também não deixava escapar nenhuma sapa que estivesse ao seu alcance.

Mas ele também não conseguia dormir direito. Ficava aceso a cada nova conquista. Tão elétrico que dava choque em si mesmo. Antes de se deitar, tirava as lentes de contato como sempre. E quando se olhava no espelho, não gostava do que via. É, não gostava, simplesmente porque ele não via nada. O espelho era um vazio de dar dó. Não refletia nenhuma imagem. Que coisa estranha! Ele se olhava, se olhava, se olhava, e não enxergava nada além de uma sombra gorda e misteriosa. Uma sombra que o assombrava.

Um dia, correndo no rastro de uma lagartixa, Gazé viu a tal fila que se formava na porta do castelo. E achou tudo aquilo muito esquisito. Um bando de principes esperando pela sua vez e tentando conquistar, para tentar conquistar uma princesa. Gazé gostava de desafios. Diziam que ninguém conseguia conquistá-la. Há pouco tempo, Tiana tinha terminado um namoro de anos, e mais uma vez estava decepcionada.

Já fazia um tempão que ela não recebia ninguém. A fila estava cada vez maior. Mas as portas do castelo continuavam trancadas. Os guardas avisavam a todos que o coração da Tiana estava fechado para reforma. Mesmo assim, ninguém saía da fila. De repente, a princesa podia mudar de ideia. Ninguém queria correr o risco. Deste modo, os príncipes acampavam em volta do castelo. Cansados e impacientes.

Gazé precisava bolar um jeito de entrar no castelo, sem ter que enfrentar aquela fila. Mas como? Se até os príncipes tinham que passar por isso, imagine ele, um sapo! Não deixariam nem que se aproximasse . Ele precisa ter uma ideia. Então, procurou seus velhos amigos feiticeiros. Pediu a eles que lhe dessem a tal ideia para entrar no castelo e conquistar a princesa. Cada um deles deu sua opinião. Mas Gazé não escutou ninguém. Na verdade, ele já sabia que não ia escutar ninguém. Ele não procurou seus amigos para encontrar uma ideia. Procurou os amigos para encontrar a calma. A velha calma que o ajudava em suas conquistas. Afinal, apesar de ser uma princesa, Tiana seria apenas mais uma conquista.

Gazé pensou bem e viu o que precisava para de pensar. Desde menino, quer dizer, desde girino, aprendeu a fazer mágicas. Então, ele se disfarçou de amigo e entrou no castelo. Amigo de quem? Ora, amigo da princesa, é claro! Se era amigo, não precisa entrar na fila. Assim, ele chegou até Tiana e se tornou o seu confidente. Tinha de ser forte, para não estragar o disfarce. Se descobrissem, cortariam a sua cabeça.

Com a paciência de um monge, Gazé domou os seus impulsos de Don Juan suburbano e agiu como um homem de verdade. Maduro e escutador. Ele passava horas escutando o que Tiana lhe dizia. E de tanto escutar Tiana falar sobre a velha fome de magia, começou a ter a tal fome também. Mas por correr atrás de lagartixas, havia se esquecido dela.

Então, eles ficavam horas conversando. Estavam apaixonados. Mais do que isso. Estavam felizes, um ao lado do outro. E muitas vezes, a felicidade é mais irresistível do que a paixão. Mesmo assim, Gazé estava com medo. O que a princesa faria quando descobrisse que ele era um sapo disfarçado de amigo? Precisava contar a ela a verdade. Sabia disso. Mas como? Achou melhor, então, não usar palavras para fazer aquela revelação. Foi quando ele se lembrou da frase que leu num livro. Gazé gostava de livros. Pelo prazer da leitura e para se tornar mais sedutor. A frase dizia assim:

“O BEIJO É UM TRUQUE DELICIOSO INVENTADO PELA NATUREZA
PARA INTERROMPER A FALA
QUANDO AS PALAVRAS DEIXAM DE SER IMPORTANTES”.

No mesmo instante em que se lembrou dessa frase, Gazé aterrisou os olhos na boca de Tiana. Ela fez a mesma coisa. E eles se beijaram. Primeiro com os olhos. Depois com os lábios. Só que no meio do beijo, o disfarce de Gazé começou a se desmanchar. E Tiana ficou sabendo quem ele realmente era. Gazé teve medo. Não de cortarem a sua cabeça. A cabeça ele já tinha perdido há muito tempo por Tiana. Teve medo de que ela não o aceitasse do jeito que era. Afinal, princesas não se casam com sapos. E por mais que ela o beijasse com encanto, ele sabia que jamais iria virar um príncipe. Para Gazé, seria insuportável ter que viver e agir como um deles.

Foi quando Tiana começou a matar a sua fome de magia. Vendo-se nos olhos do sapo, a princesa percebeu também estava se transformando. E o verde daquela fome foi se tornando o verde da sua pele. Mal o beijo terminou e Tiana já era uma sapa.

A inquietude foi sumindo devagar, sem dizer adeus. E Tiana descobriu que seria mais feliz desse jeito. Ele sempre teve alma de sapa. Por sua vez, Gazé passou a olhar no espelho e enxergar, finalmente, os traços daquela sombra gorda. Era só a sombra de dois namorados, tão juntos que pareciam um só.

Naquela noite, o amor coaxou mais alto do céu. E continua coaxando até hoje, num brejo disfarçado de castelo, em Copacabana."


Copiei esta historinha linda de um dos meus blogs preferidos, o http://www.caminhandocontando.com, da minha amiga Elaine Cunha. Quem não conhece, aproveite para passar lá e conhecer! ;)

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