O sol ainda nem bem se levantara quando o primeiro pulou da cama. Pôs-se de pé num só movimento e exclamou: 'é hoje!' Correu para o banheiro, escovou os dentes e tomou banho. Tinha pressa, muita pressa. Queria estar pronto logo.
Do outro lado da cidade, a movimentação era parecida. E na casa ao lado, e na rua de cima, na de baixo e na de trás. Por todos os cantos, naquele dia, sentia-se o clima de agitação e ansiedade. Todas as crianças adiantaram-se aos despertadores e, prontinhas para sair, acordaram os pais. Todas, menos uma.
Pedrinho não tinha pressa. Nenhuma. Acordou tão cedo quanto os outros, mas ficou rolando na cama. Sua ansiedade não era do mesmo tom que os demais. Não sentia a mesma alegria que as outras crianças. Parecia preocupado. Ainda assim, levantou-se quando sua mãe o chamou e anunciou: 'Pedro, vista-se. Seus irmãos já estão prontos para sair, só falta você.' Trocou de roupa calmamente e levou bastante tempo tomando o café da manhã. Seus irmãos já estavam começando a perder a paciência quando sua mãe decretou que estavam de saída, e que ele deveria se apressar.
Todos entraram no carro. Papai ao volante, mamãe ao lado, Pedro e seus irmãos no banco de trás. O pai disse que, apesar de ser um pouco longe do centro da cidade, não deveriam demorar mais do que uma hora para chegar ao destino. Os irmãos de Pedro estavam exultantes e falavam sem parar. Ele, cabisbaixo, ouvia a tudo em silêncio.
Ao contrário do que o pai dissera, levaram quase duas horas para chegar. O trânsito estava intenso. Parecia que todas as crianças fizeram os pais levarem-nas para o mesmo lugar, ao mesmo tempo. A viagem foi, para os irmãos de Pedro, longa demais. Reclamaram do tempo que demoraram, da distância e tudo o mais. Pedro, mudo, torcia para que o pai se cansasse de tanto tráfego e reclamação e voltassem para casa. Mas isto não acontecera, e agora estavam ali.
Saíram do carro e, ainda do estacionamento, já se podia avistá-la. A lona grande, colorida, com uma bandeira no alto, não deixava dúvidas. Tinham chegado ao Circo. As crianças saíam do carro correndo na direção da lona, com suas mães correndo atrás para alcançá-las. Pedro não correu. Ficou parado ao lado do carro, esperando. Seu pai veio, deu-lhe a mão e caminharam juntos, devagar, para a entrada. Ninguém parecia notar a agonia do menino.
O que os pais, os irmãos, e nem ninguém sabia, é que Pedro não gostava do Circo. Na verdade, ele nunca tinha estado em um circo antes. Mas sabia que lá sempre tinha palhaços. E é deles que Pedro não gostava, nem um pouco.
Pedro vira um palhaço, pela primeira vez, quando ainda era bebê. Ofereçam-lhe uma linda caixa colorida, e, ao abri-la, um palhaço pulou de dentro dela. Ele levou um baita susto e começou a chorar. Ao invés de irem acudi-lo, todos riram muito da situação. Deste dia em diante, Pedro ficou com uma bronca danada de palhaço. Achava que eles só serviam para assustá-lo e fazer os outros se divertir às custas dele. Tinha tanta implicância que não gostava de nada relacionado ao Circo. E, desde que anunciaram que o Circo chegaria a cidade, Pedro estava inquieto. Ficava imaginando que os palhaços fariam alguma zombaria com ele, e que a cidade inteira iria rir dele. Sofria desde o anúncio da chegada do Circo, e agora que estava ali, seu tormento era ainda maior.
Os irmãos de Pedro, por outro lado, estavam felicíssimos! Queriam tudo ao mesmo tempo: entrar logo no Circo, comer algodão doce e cachorro quente, tomar água de côco, comprar os palhacinhos de pelúcia que eram vendidos na lojinha... Queriam tudo junto, e cada um ia para um lado diferente. A mãe, sozinha, não conseguia tomar conta dos dois ao mesmo tempo, e pediu que o pai viesse ajudá-la. O pai, que percebeu que Pedro estava bem quieto e comportadinho, levou-o para um canto atrás da tenda, pegou uma cadeira que estava por ali e disse: 'Pedrinho, você fica aqui sentadinho um pouquinho. Não sai daí, nem aceita nada de ninguém. Vou atrás do seu irmão e já volto para te buscar. Tudo bem?' Pedro acenou que sim, estava até aliviado de sair do meio daquela confusão e ficar um pouco sozinho e isolado de tudo aquilo.
Estava sentado brincando de riscar o chão de areia com os pés quando alguém se aproximou. Alguém de nariz vermelho que Pedro conhecia tão bem. Ali, na sua frente, estava ele, seu grande inimigo. O palhaço do circo!
Pedro deu um salto da cadeira. Não sabia o que deveria fazer. Estava ali sozinho, como poderia enfrentar este palhaço assim? Já ia anunciar que seu pai estava chegando quando olhou o palhaço com cuidado. Ele parecia triste. Tão triste quanto ele. O menino, então, chegou bem pertinho do palhaço e, baixinho, perguntou: ' o que houve?'
O palhacinho levou um susto! Estava tão distraído que, até aquele momento, não tinha notado a presença do menino. Olhou para ele e viu nele a mesma angústia que sentia. Respondeu-lhe:
Tenho medo.
Do que você tem medo?
Das pessoas. Você não tem medo?
Não tenho medo das pessoas. Tenho medo de palhaços.
O palhacinho parecia desconcertado. Não entendia como alguém podia ter medo de palhaços. Pedro, por sua vez, estava intrigado. Por que alguém teria medo das pessoas ?Ficaram assim, parados, se olhando, durante algum tempo. Até que Pedro começou a falar.
Não faz sentido ter medo das pessoas!
Não tem cabimento é ter medo de palhaços! - respondeu o palhacinho.
Claro que tem. Quando eu era bebê, me deram um palhaço dentro de uma caixa. Ele pulou em cima de mim e todo mundo riu da minha cara! Palhaço gosta de zombar das pessoas.
Não, isto não é verdade! Nós, palhaços, gostamos de divertir as pessoas! Queremos fazer brincadeiras para alegrá-las. E por isso todos gostam de nós. O problema era o seu brinquedo, que não era bom para um bebê. O palhaço não teve culpa do susto que você levou. Vê, seu medo não tem razão de ser.
Mas, se os palhaços gostam de divertir e brincar com as pessoas, por que você tem medo delas? O seu medo faz menos sentido do que o meu!
Eu tenho medo que não gostem de mim...
Ah, isso. Por que você tem este medo, então?
Porque sou novo aqui, não conheço ninguém.
Bom, agora você me conhece!
É, mas você não gosta de palhaço.
Agora que eu te conheci, vejo que você está certo. Não tenho razão para ter medo. E você também não tem. O circo ainda nem se apresentou e você já fez um amigo!
Pedro aproximou-se do palhacinho e deu-lhe um abraço bem apertado. O palhacinho disse que tinha que correr, que o show já ia começar, e entou na lona. Quase ao mesmo tempo, o pai e o irmão de Pedro vieram buscá-lo. Entraram todos para assistir ao espetáculo.
Pedrinho gostou muito do circo. Adorou ver os trapezistas, os equilibristas, a foca equilibrando a bola no nariz. Gostou especialmente de ver seu amiguinho fazendo palhaçadas. O palhacinho, por sua vez, ria e acenava para Pedro o tempo todo.
Deste dia em diante, Pedrinho virou fã do Circo. E aprendeu que, ao enfrentarmos nossos medos, eles deixam de existir. E que até aqueles que não pareciam ser nossos amigos podem se tornar grandes companheiros se os conhecermos melhor...
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