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Furacão Katrina, digo, Katina!!!

Furacão Katrina, digo, Katina!



Eu e o pessoal aqui da rua formamos uma turma bacana. A gente vai junto prá escola e volta decidindo do que vamos brincar à tarde. Todo mundo se dá bem e é amigo. Mas, de vez em quando, aparece alguém novo na turma. Daí é mais legal ainda, porque a pessoa nova sempre sugere uma brincadeira diferente, ou conta uma história engraçada. Todos nós gostamos quando aparece um amigo novo. E esta história é de quando um velho amigo novo veio passar o dia aqui comigo.

O Nicholas e eu somos amigos desde sempre, por isso ele é um velho amigo. Na verdade, nós estávamos destinados a ser amigos. É engraçado, porque eu tenho uma porção de amigos assim, que já nasceram meus amigos. O meu pai e a minha mãe tem um montão de amigos, e os filhos deles são meus amigos também. Você vê, como eu tava contando, o meu pai e a mãe do Nicholas são amigos desde que tinham a minha idade. E aí, quando meu pai casou com a minha mãe, ela e a mãe do Nick ficaram amigas. Isto é fácil de entender: minha mãe fala pelos cotovelos, e a mãe dele não fica atrás. Acho que elas ficaram amigas porque não tinha ninguém que conseguisse falar tanto quanto elas... Mas, enfim, este é o lance, quando o Nick nasceu, eu já era nascido, e nossos pais decidiram que seríamos amigos e pronto!

Eu não tenho do que reclamar, não -o Nick sempre foi um amigão! Quero dizer, depois que ele cresceu. Primeiro ele era bem menor que eu, não fazia nada, daí era meio chato. Mas quando ele cresceu, começou a topar mais as coisas, participava das brincadeiras. E aí foi bem legal ter um amigo assim.

Bom, a minha mãe e a do Nicholas tinham as mesmas manias. Não era só a de falar muito, não. Era de fazer festa, de mudar o cabelo, de comprar roupa. Gostavam de comprar roupas diferentes para nós, e era a mesma coisa: 'meu menininho está um príncipe!' Daí a outra ia e concordava: 'está mesmo! O meu também!' E a outra respondia 'sim, o seu também!' E elas ficavam nesta querendo que fossemos príncipes, e tal, e isto era chato porque a gente tava mais prá sapo, querendo pular, correr e se divertir muito. Mas a história não é sobre isso.

Um dia, a minha mãe e a mãe do Nick resolveram que tinham que sair juntas porque estava começando a esfriar e tinham que comprar casacos para nós. E então a mãe do Nick o trouxe aqui prá casa. Elas duas iam sair e a tia Luzia, que trabalha aqui em casa, ia ficar de olho na gente. E ficar com a tia Luzia é super maneiro, porque ela deixa a gente fazer tudo, sem dar bronca. É assim tipo ficar com a vovó, só que o colo da vovó é melhor, sabe como é? Mas ainda assim é legal, porque podemos aprontar bem e ela não reclama.

A mãe do Nick e ele já tinham vindo aqui em casa algumas vezes. Só que, desta vez, a mãe do Nick e a minha fizeram lá um acordo diferente. Até eu me assustei. Quando eles chegaram, não vieram só os dois. O Lord veio junto.

O Lord é o labrador do Nick, um cachorro enorme e peludão. Aqui em casa a gente curte bicho à beça: eu tenho duas irmãs de quatro patas, a Capitu e a Valentina, e ainda temos três gatos morando no telhado. Todos os meus amigos daqui também curtem ter cachorro e gato, então tá todo mundo acostumado.

Só que bicho é diferente de gente, e nem sempre eles se dão bem de cara. Prá você ver, a Valentina – nós a chamamos de Tina – tem uma implicância danada com os gatos! Não topa eles de jeito nenhum, late o tempo todo quando eles se aproximam. E o pior é que chama a Capitu para ajudar. E aí, quando um dos gatos tá por perto, a vizinhança toda sabe, porque a Tina começa a se esgoelar e acaba convocando a cachorrada toda em volta para fazer a mesma coisa. E nem adianta a minha mãe dizer 'Tina, vou te colocar de castigo', assim, igual que ela faz comigo. Porque com cachorro é diferente, não dá para dizer: 'vai ficar em casa, não pode brincar de pique, não pode ver televisão'. Cachorro já não faz isto mesmo, e aí acaba que tanto faz. Minha mãe botava a Tina de castigo e ela nem tchuns! Tirava um cochilo e quando saia do castigo já ia lá latir pros gatos de novo. A Tina é mesmo um caso sério...

Mas, voltando ao Lord. Ele e a Capitu, quando se viram, pularam um em cima do outro. Todo mundo levou aquele susto, achando que eles tavam brigando, mas depois a gente viu que não. Estavam só se conhecendo mesmo, e acho que gostaram de se conhecer. Ficaram no mó grude o tempo todo! A Tina não deu muita ideia pro Lord, mas ficou junto com ele, sem reclamar – ela só não gostava de gato, cachorro ela topava qualquer um.

Aí as mães saíram, e eu disse prá tia Luzia que queria dar um pulo lá na casa da Manu, porque sabia que o Nick ia gostar um bocado dela. E a tia Luzia tinha que passar roupa, e os três cachorros estavam fazendo uma confusão danada. E eu disse que ia levá-los comigo, a tia Luzia disse que não e eu insisti e insisti e insisti e no final ela só disse :' eita, Davi, que teimosia!' E acabou deixando. E é por isso que eu disse que era maneiro ficar com a tia Luiza, porque ela sempre acaba me deixando fazer tudo o que quero!

Saímos os cinco: eu, levando a Capitu e a Tina; o Nick levando o Lord. A gente tava assim andando pela rua e todo mundo queria parar para ver. Acho que não é muito comum verem dois menininhos levando três cachorros para passear. A gente demorou um tempão para chegar até a casa da Manu, que era logo ali na rua de trás, porque fomos parados muitas vezes. Mas, aí, chegamos. E estava tudo tranquilo, a Manu também adora bicho e gostou de ter a cachorrada toda ali. E como ela era a campeã das bolinhas de gude, pegou um tanto e começou a ensinar o Nick a jogar. A gente tava curtindo muito, porque a Manu ensinava uns truques legais, e até a Capitu, o Lord e a Tina estavam quietinhos, prestando atenção. Já estávamos lá um tempinho quando o outro Davi apareceu.

Na nossa turma era assim: eu era o Davi, ele, o Xará. Ficava mais fácil, que daí ninguém confundia. Pois é, a gente tava lá numa boa quando o Xará apareceu. Ele é bem nosso amigo e tal, mas ele vive nos arrumando encrenca. Quando ele chegou, cochichei pro Nick ' vambora, senão pode dar galho prá gente.' E já estávamos indo de verdade, quando o Xará jogou sujo. Sujo mesmo: ele disse que era para irmos lá prá casa dele brincar, que a mãe dele tinha feito bolo de chocolate. E ele disse assim: 'bolo-de-chocolate-com-recheio-de-chocolate-com-cobertura-de-chocolate-com-sorvete-de-chocolate-e-calda-de-chocolate-para-acompanhar.' E aí, não tinha jeito, né? Ele tinha falado a palavra chocolate tantas vezes que a gente nem tava mais pensando nas confusões que ele apronta, só lembrávamos que o bolo da mãe dele é bom prá chuchu. Ou melhor, bom prá chocolate, que chuchu nem é tão gostoso assim! E então resolvemos ir.

No caminho para a casa do Xará, topamos com o Léo, que disse que estava indo nos procurar para batermos um pique. Dissemos que estávamos indo brincar e comer bolo na casa do Xará, daí ele falou que ia chamar o Toninho e já nos encontrava lá também. Em menos de dez minutos, invadimos a casa do Xará: era tanta criança, mais os cachorros, que eu achei que a mãe dele fosse ter um troço quando nos viu. Mas, que nada! Ela chamou a Tina e ficou fazendo carinho nela, e disse que ela era a cachorra mais linda do mundo, e tal. Pois é. Só que ela não devia ter feito isso. Porque ela deu muita confiança para a Tina. E ela era assim tipo o Xará: adorava arrumar encrenca. E naquele dia não seria diferente.

Nós até que nos comportamos muito bem. Ninguém queria correr o risco de ficar sem o bolo-de-chocolate-com-recheio-de-chocolate-com-cobertura-de-chocolate-com-sorvete-de-chocolate-e-calda-de-chocolate-para-acompanhar, então nem fizemos bagunça. O Xará pegou uma coleção muito legal que ele tem, que são uns livros com as letras. Daí cada letra tem um bicho, e vem com umas folhas prá gente pintar. E foi divertido, porque a gente lia a história, depois pintava o desenho, depois a gente inventava uma história nova para o desenho. E a mãe do Xará adorou esta brincadeira, porque a gente não tava correndo de um lado para o outro como costumamos fazer. A Capitu e o Lord ficaram o tempo todos sentados com a gente, participando da brincadeira. E a Tina ficou no bem bom, porque a mãe do Xará botou ela no colo, sentada no sofá, e ela ficou ali adorando aquela mordomia.

Estava tudo tranquilo e até o Xará estava comportado. E aí a mãe dele disse que tínhamos todos nos comportado muito bem e que então iria colocar a mesa do lanche. E todo mundo deu um grito de alegria, porque finalmente tinha chegado a hora do bolo.

A mãe do Xará saiu para ajeitar a mesa e foi tudo mundo atrás, se oferecendo para ajudar. Até a Capitu e o Lord foram – acho que eles estavam ouvindo aquele papo todo pensando 'será que a gente descola também um pedacinho?' Só a Tina que não foi. Ela estava lá esticada no sofá, relaxadona, e todo mundo pensou que já já ela ia tirar uma soneca. Até eu caí nessa!

Fomos para a cozinha e a mãe do Xará deu um pedação de bolo para cada um. O Nick me cochichou que estava adorando o passeio, mas que o melhor era o bolo. Eu também tava achando que o melhor era o bolo também. Comemos tudo, e a mãe do Xará ainda nos deu suco depois. Estava todo mundo satisfeito – menos a Capitu e o Lord, que não ganharam bolo, afinal. Mas tá certo, chocolate faz mal prá bicho.

Quando voltamos para a sala, pensando no que íamos fazer, levamos um susto. Parecia que tinha passado um furacão ali! E tinha, né? O furacão Ka-TINA! Vou te falar, a Tina já fez muita doideira na vida. Mas, neste dia, ela devia estar mesmo muito atacada. Eu nuca tinha visto ela fazer nada assim na minha casa...

Eu não sei bem como ela conseguiu isso em um espaço de tempo tão curto. Mas o fato é que a Tina conseguiu destruir o sofá inteirinho da mãe do Xará. Ela arrebentou as almofadas todas, e estava cheio de espuma espalhada pela sala toda, até atrás dos quadros. E ela pegou as tintas que estávamos usando e tacou em cima da espuma e saiu patinando, daí era marca de patinha azul, vermelha, rosa e amarela, pela sala toda. Pela sala toda mesmo: ela não se limitou ao sofá, pisoteou o tapete e passou a pata nas paredes! Parecia assim cenário de filme, destas coisas que a gente acha que não existe na vida real.

Quando a mãe do Xará viu aquilo, achei que ela fosse desmaiar! Ela perdeu a cor, ficou branca que nem sei, e aí soltou um grito: 'AAAAAHHHHHH!!!' e todos nós sabíamos que estávamos fritos, principalmente a Tina. A mãe do Xará ligou pro celular da minha, e rapidinho a minha mãe e a do Nick voltaram. A minha mãe se ofereceu para pagar o prejuízo, claro, e acabou que ela se acertou lá com a mãe do Xará para dividirem as despesas. Mas a minha mãe e a do Nick ficaram danadas da vida com a gente, repetindo que a gente não tinha nada que ter saído de casa, ainda mais levando os cachorros, e tal.

Conclusão: o dia com o Nick aqui comigo foi bem divertido, mas

acabamos os dois de castigo, cada um na sua casa. Eu não posso sair durante uma semana, nem para passear com as cachorras e o Nick falou que ele tá proibido de ver tv e soltar pipa. Estamos os dois presos em casa, sem poder fazer nada.

Ah, sim. A Tina. Tá ali no canto dela, cochilando, como se nada tivesse acontecido. De vez em quando ela levanta, vai até o quintal, implica com os gatos e volta, como sempre. Foi como eu disse: esta Tina é mesmo um caso sério...

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