Estávamos no meio do outono, mas parecia que o inverno já tinha chegado. Fazia frio, muito frio, há dias. E o frio é meio ruim, porque as mães da gente botam casaco-luva-gorro-cachecol e a gente fica assim, todo encapotado e com dificuldade de se movimentar. É ruim, como eu disse, mas a gente dá um jeito e consegue brincar mesmo assim. O problema era a chuva. Com chuva, não tinha papo! Tínhamos que ficar trancados dentro de casa e ponto final. E esta estava sendo a nossa rotina aqueles dias. Casa-escola-casa, sem podermos brincar do lado de fora. Uma rotina bem chata!
Por causa do mau-tempo, a Duda não estava vindo ficar na casa da avó dela, e a maioria dos meus amigos estava trancafiado dentro de casa como eu. A gente tentava fazer alguma coisa para se encontrar – uma tarde fui para a casa do Pedro jogar videogame, em outra fizemos uma corrida de carrinhos de controle remoto na casa do Xará. Mas tinha dias que o frio era tão grande, e a chuva tão forte, que ninguém podia colocar o pé fora de casa. Teve um dia – este foi o pior de todos – que choveu uma noite inteirinha, e, de manhã, ligaram da escola dizendo que não haveria aula. Tinha faltado luz na escola, e também na minha casa e na de todo mundo. Neste dia, ninguém pode se ver, nem mesmo na hora do recreio.
Eu já estava bastante aborrecido com aquela coisa de ter que ficar preso dentro de casa. E olha que tinha uma porção de coisas para eu fazer em casa: eu tenho muitos e muitos livros legais, e vários carrinhos de controle remoto, um ferrorama grandão e uma mini-bateria super bacana, que toda vez que toco minha mãe franze as sobrancelhas e diz ' isso, filho, continua treinando para ficar igual ao papai!' E, claro, tinha a bateria de verdade, grandona, do meu pai, que ele me deixa tocar junto com ele. Eu tinha mesmo um parque de diversões dentro de casa, mas eu queria soltar pipa, brincar de pique, correr na pracinha. E isto não dá para fazer em casa.
Como o mau tempo não melhorava, minha mãe disse para eu chamar meus amigos para passar a tarde comigo. Ela fez bolo e chocolate quente, e avisou: ' Davi, convida quem você quiser, mas é para brincar bonitinho dentro de casa, porque está frio demais no quintal, combinado?' Eu disse 'combinado', claro, porque é chato ficar preso dentro de casa, mas é melhor ficar preso junto dos amigos que sozinho.
Depois do almoço todo mundo começou a chegar. Lemos uns livros engraçados que minha tia tinha me dado. Depois brincamos de colorir e de massinha. Estava tudo muito divertido, e tal, mas eu sentia que faltava alguma coisa.
Minha mãe vinha ver se estava tudo bem, se estávamos nos comportando. Vendo que eu não parecia completamente satisfeito, tratou logo de perguntar:
Meu filho, o que há? Não está gostando de brincar com seus amiguinhos?
Claro que estou, mamãe.
Então porque esta carinha triste?
E foi só eu falar isso que meus amigos concordaram, dizendo que o dia estava tão feio que nem dava vontade de brincar direito. Minha mãe colocou a cara para fora da janela e deu um suspiro – 'é, vocês tem razão, o dia está cinza demais!' Mas, daí, no minuto seguinte, ela fez um troço genial!
Meu pai fazia uma porção de coisas, o tempo todo. Estava sempre inventando moda, como a vovó dizia. A minha mãe já era mais calma, não fazia tantas doideiras quanto o meu pai. Mas quando era ela que inventava moda, sempre tinha uma ideia legal!
Minha mãe pediu que sentássemos todos na sala, que ela ia pegar umas coisas e já voltava. Sentamos, curiosos, sem saber o que esperar. Em dois minutos ela estava de volta, com uma sacola cheia de coisas. Abriu a sacola e tirou de lá uma porção de bexigas azuis, que tinham sobrado do meu aniversário. Daí ela jogou todas no chão e disse: 'vamos lá, encham todos estes balões!' Nós começamos a encher, e era bem divertido fazer isso, e num minuto o chão da sala estava coberto de bolas azuis. Daí ela pegou outras bolas poucas, só umas quatro. Estas eram amarelas, e ela disse: 'encham estas também.' E saiu da sala.
Quando voltou, minha mãe trouxe uma escada e fita adesiva. Subiu na escada e pediu que lhe déssemos as bolas azuis. Então ela colou um pedaço de fita em cada bola e colou todas elas no teto, sem deixar um espacinho branco. Ao acabar, disse: ' me deem as amarelas, agora.' Juntou as quatro bolas amarelas fazendo uma só, bem grande, e colou num canto da parede, em cima das bolas azuis. Ela desceu da escada e me disse: ' agora me deem os desenhos que vocês fizeram, por favor.' Estávamos maravilhados com aquilo e obedecíamos sem contestar. Ela foi e colou os desenhos na parede, em forma de arco. Desceu da escada e olhou para todos nós com um sorriso de quem gosta de bagunça e disse: ' pronto. Taí. Vocês agora tem um céu azulzinho sobre as cabeças, e um sol bem forte brilhando. E ali, você encontram um arco-íris de desenhos, que é até melhor do que o de verdade. Agora quero ver todo mundo com uma carinha feliz, porque o dia está lindo aqui dentro e é isso que importa!'
Eu nem preciso dizer como foi o final da tarde, né? Fizemos uma bagunça danada! Todos os meus amigos pediram para voltar no dia seguinte para continuarmos brincando e eu adorei esta ideia. Na hora de dormir, eu estava exausto e feliz, e minha mãe, quando foi dar meu beijinho de boa noite, disse assim:' Davi, não importa o tempo do lado de fora. Quando o sol brilha dentro da gente, há sempre um céu azul sobre nossas cabeças'.
Eu demorei muitos anos para entender o que isto queria dizer. Mas, deste dia em diante, nunca mais fiquei triste com os dias nublados...
1 comentários:
A Sophia pegou um período bem chuvoso entre 3 e 6 meses, que a gente mal conseguia sair de casa e depois, por volta dos 11 meses. Nessa época ela já andava e ficava na porta de casa, esperando uma oportunidade pra correr pra rua, com ou sem chuva!! Ela não entendia que tinha que ficar em casa por conta da chuva.
Hoje ela entende um pouco mais, daí ela pede pra pôr a capa e pegar o guarda chuva, o negócio é sair pra brincar!!
Essa mensagem no final é muito bonita, viu?
Beijocas!
Aretusa, mamãe da Doce Sophia
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