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O primeiro amor...


O primeiro amor...



Estávamos os dois numa cidade estrangeira, longe dos amigos e família de origem. Uma cidade pequena e pacata, muito diferente daquela da qual nós dois viéramos. A cidade pequena e pacata nos acolheu de braços abertos, como uma mãe feliz em receber novos filhos. E ali fizemos muitos novos amigos e brincamos demais, de um jeito já esquecido na nossa cidade grande natal. E conhecemos um ao outro, num destes acasos da vida.

Ele tinha uma coleção de bonecos dos Comandos em Ação. Eu tinha uma coleção de bonecas da Moranguinho. Tínhamos a mesma idade, com apenas seis meses de diferença. Tínhamos ainda a saudade de casa em comum. Da cidade grande e quente com sotaque macio. Tínhamos tudo isto e muito mais em comum. E foi assim que nos tornamos amigos.

O menino dos Comandos em Ação tinha uma porção de ideias legais. Cada dia sugeria um pique diferente, corria comigo o dia inteiro. Gostava de futebol, mas não torcia para o meu time. Gostava de música tanto quanto eu, ou até mais. E gostava de mim.

Eu gostava das minhas Moranguinhos, e também das minhas Barbies. E gostava de brincar de pique e de pular elástico, de dançar o Xuxuxu-Xaxaxá, de ouvir RPM e Ultraje a Rigor. E Beatles, muito Beatles, desde nova, desde sempre. O menino do Comandos em Ação sabia disto. E ouvia Beatles comigo.

Um dia ele teve uma destas ideias que ele tinha. Por que as Moranguinhos não namoravam os Comandos em Ação? E de tanto brincarmos assim, um dia ele teve outra ideia. Por que eu não namoro você?

E assim foi que tive meu primeiro amor. E era um amor verdadeiro, porque meu namorado de infância era também meu melhor amigo, e aos oito ou nove anos de idade, isto é que importa. Brincávamos de pique, do Jogo da Vida. Lutávamos usando espadas de plástico do He-man. Ríamos vendo o Tom apanhar do Jerry na televisão. Íamos ao cinema ver os Trapalhões. E andávamos de mãos dadas, nos abraçávamos e dávamos beijos estalados nas bochechas um do outro, porque éramos namorados.

O menino dos Comandos em Ação mora no meu coração. Foi um grande amigo, durante minha infância e adolescência. Foi um elo com a minha casa, quando troquei meu sotaque macio por um sotaque forte, numa cidade pequena, acolhedora, fria e extramente calorosa. Foi meu primeiro namorado, me deu o primeiro presente que ganhei de um menino. O vinil de A Hard Day's Night, que eu guardo com carinho até hoje. Porque Beatles e primeiro amor são coisas boas demais, e duram para sempre, mesmo tendo acabado há muito tempo...



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