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E por que é assim?





E por que é assim?


Quando eu era criança, tinha todos os desejos e curiosidades que tem todas as crianças. E, como todas elas, tinha sempre alguém para me dizer um não. 'Não pode isto, aquilo machuca, cuidado que é perigoso!' Estas formas de carinho que os adultos praticam e as crianças detestam. Eu tinha muito disto: muito não pode. Talvez porque, quando eu era criança, os pais podiam dizer isto sem medo de causar traumas. Não pode e pronto, tá acabado!

Eu tinha, nesta época, uma das minhas avós morando conosco. E era destas que é carinhosa sempre, até quando diz não. Se eu perguntava alguma coisa e não podia, ela só me dizia ' não pode, querida'. E quando eu questionava o porquê, ela encerrava com um doce sorriso: 'porque a vida é assim.'

O engraçado é que a vida é assim, mas as coisas não são. Então, às vezes, eu queria tomar refrigerante numa terça-feira à tarde, e não podia – porque a vida é assim. Daí, chegava o final de semana, e no sábado e no domingo, eu podia tomar refrigerante, ôba! Só que as vontades não são assim, assim, tal qual a vida. Tem, elas próprias, suas vontades. E o sábado chegava com um sol de lascar, destes que racham côco. E a vontade de refrigerante não vinha, vinha a vontade do suco de melancia, que fica tão geladinho no congelador que é como beber um picolé. Não tem melancia, não está na época. Porque a vida é assim.

E quando somos crianças, saber que vida é de um jeito, e não apenas do jeito que a gente quer, é um tanto frustrante. É uma série de porquês mal-respondidos, de vontades não satisfeitas, desejos não realizados. É chato, muito chato, isto, da vida ser assim.

Mas como ela estava por ali, com o colo sempre pronto me esperando, a vida não era só assim, assim. Era muito carinho, muito chamego, muito doce de amendoim. Porque ter avó faz a vida ser assim.

Quando cresci mais um pouco, comecei a não aceitar que a vida fosse assim. Por que assim, e não assado? Por que deste jeito, e não do outro? Aprendi a gritar, junto com uns rapazinhos muito interessantes, para quem quisesse ouvir: 'por que que a gente é assim?', que era outra forma de questionar a vida. Nunca tive resposta.

E conforme eu cresci mais, comecei a ver que a vida não é mesmo assim, assim. É assim, assado, deste jeito e do outro. Porque cada um pensa uma coisa, cada um quer algo diferente do outro. E todos estamos certos.

Eu já era praticamente adulta quando ela partiu. Depois de muitos anos esquecendo que a vida era assim, assim. Para ela, no final, já não havia mais assim ou assado. Havia memórias, incertezas, névoa de um passado que existiu ou foi sonhado. Fragmentos de uma vida, dissolvidos pelo tempo.

Hoje, comigo, duas coisas. Da avó querida, a saudade. Da vida, uma constatação. Que ela não é assim, nem assado. Ela é do jeito que eu quero, todos os dias. Basta acordar e dizer: hoje a vida é assim! E viver cada dia intensamente, como se não houvesse amanhã. Para que, na hora da partida, exista apenas esta certeza: minha vida foi boa, e foi assim que a vivi!


1 comentários:

carol disse...

Eneida,

Também sinto saudades da minha avó, ninguém me dava a mão igual a ela(digo o ato em si de dar as mãos), de uma forma doce igual a ninguém, nem preicsava dizer nada.
Acho muito bom que a gente decida como vai ser nosso dia, aproveitar cada momento, felicidade mesmo está nas pequenas alegrias.
Hoje a Carol disse assim: "Já sei , vamos levar o ipad para o hotel para ver o blog da Tia Eneida lá em Campos de Jordão ? ". Achei uma graça e queriante contar.

Bjos e boa semana!
Letícia

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