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O circo

O Circo



Julho era o meu mês preferido no ano todo. Assim que começava a esfriar, eu ficava animado. As temperaturas iam caindo e eu ia ficando mais e mais contente. E ele chegava, o meu mês! Um dia , dois, dez e pronto: férias! Como eu gostava das férias de julho!

Não é que eu não gostasse da escola. Pelo contrário, achava a minha escola legal a beça! Gostava dos professores, das aulas – até da de matemática - , das feiras de ciências, de artes e literária, de brincar com meus amigos durante o recreio. Eu realmente curtia demais a minha escola. Só que, nas férias de julho, todo ano o circo vinha para a cidade. E todo ano os meus pais me levavam lá.

A minha cidade é bem grande. Devem ter uma porção de circos o tempo todo, eu acho. Só que meus pais só me levavam nas férias de julho. Sempre o mesmo circo, que tinha um nome bem pomposo ' Le Grand Cirque Mistique'. A minha mãe dizia que vários circos fazem as maiores maldades com os animais, mas que naquele circo isto não acontecia. Uma das amigas da minha mãe era jornalista e tinha feito uma reportagem, conhecia todo o pessoal do Le Grand Cirque Mistique. Ela garantiu para a minha mãe que o pessoal era gente fina, e que os animais, tratados a pão de ló. Vai ver que é por isso que meus pais só me levavam naquele circo...

Bom, mas como eu ia dizendo, todo mês de julho tinha circo. Às vezes eu chegava a ir a três espetáculos na mesma semana! Eu gostava de ver a foca com a bola no nariz, dos palhaços em cima de uma monocicleta, da equilibrista andando na corda, dos malabaristas e suas graças. Mas nada me encantava mais do que o mágico.

Eu acredito em magia é por acreditar nisto que o show de mágica me fascina tanto. Como ele pode tirar um coelho de dentro da cartola? Como ele pode serrar a assistente ao meio? Como ele pode transformar um lenço numa pombinha? Eu acho tudo isto genial, e sempre que vou ao circo fico vidrado no que o mágico faz. Meu pai acha uma graça danada da minha cara, diz que eu crescer vou entender o truque e não dar muita bola. Já a minha mãe diz que o bacana é não saber o truque e continuar acreditando na mágica. E eu tô com a minha mãe nessa.

Assim que eu fui para casa, no primeiro dia de férias, perguntei para o meu pai que dia o circo chegava. Ele me avisou que em três dias o circo chegava, mas que só tínhamos conseguido ingressos para dois dias depois. Eu fiquei passado! Como que eu ia perder a estreia do circo?

A minha mãe deve ter sentido que eu fiquei muito chateado com este lance de perder a estreia do circo. Só pode ter sido isto. De outro modo, ela não teria feito o que fez.

Era a véspera da estreia e minha mãe me chamou.

  • Davi, venha aqui.

  • Que foi, mãe? - respondi na hora.

  • Meu filho, eu preciso falar com você sobre o circo.

  • Que houve? - pensava no que poderia ter acontecido.

  • Nós não conseguimos ingressos para a estreia...

  • Eu sei! - disse, triste de verdade.

  • Pois é. Mas a Andreia conseguiu e me avisou. Ela disse ao Davizinho que ele poderia escolher dois amigos para irem junto, e ele escolheu você e...

Eu nem ouvi o resto do que minha mãe disse. Estava dando cambalhotas pela casa, gritando, na maior felicidade! Eu sabia que o outro Davi, o Xará – a minha mãe não o chamava de Xará, chamava de Davizinho – sempre acabava dando um jeito de nos meter em confusão. Mas, quem ligava para isso? O importante é que eu ia à estreia do circo! Quase não consegui dormir esta noite de tanta ansiedade.

Às duas e meia da tarde do dia seguinte, a tia Andreia, a mãe do Xará, deu uma buzinada lá no portão. Eu já estava mais que pronto e minha mãe já tinha me dado todas as recomendações – 'obedeça à Andreia, não fale com estranhos, não coma porcarias demais, comporte-se'. Ela me levou até o carro, onde estava a tia Andreia, o Xará, e... a Manu!

Quase caí para trás ao ver a Manu ali, indo ao circo conosco. Quero dizer, a Manu era muito minha amiga e eu gostava bastante dela. Mas ela e o Xará não se topavam de jeito nenhum! Ela tinha papado todas as bolinhas do Xará no campeonato de bolinhas de gude e, deste dia em diante, eles não se bicavam. Achei muito, muito estranho o Xará ter escolhido levar a Manu.

Falei com todo mundo e entrei no carro, do lado do Xará. Cochichei no ouvido dele:

  • Por que você chamou a Manu? Viu que ela estava certa em ter levado suas bolinhas de gude?

O Xará cochichou de volta:

  • Nada! Mas o Pedro torceu o pé e está de cama, a Duda ainda não entrou de férias, o Léo viajou e o Toninho ia visitar a avó dele. Aí só sobrou a Manu, mesmo.

  • Ah, tá.

Eu não sei se a Manu ouviu, mas ela olhou para o Xará com uma cara de 'nem te ligo, farinha de trigo!' e nós dois resolvemos continuar a viagem quietos.

Assim que chegamos ao circo, a tia Andreia encontrou com uma amiga que estava com o filho, Hugo. Ainda faltava mais de uma hora para o espetáculo começar, então elas disseram que nós poderíamos dar uma volta, ver as barraquinhas – tinha uma de brindes, uma de pipoca, uma de pescaria... - e então encontrá-las para entrarmos juntos. Foram até um banco e disseram: ' ficaremos aqui. Vocês podem passear, mas voltem em meia hora, está bem?' Nós concordamos e saímos.

Cada um queria fazer uma coisa diferente. Então resolvemos tirar no zerinho ou um para ver quem escolhia o que iríamos fazer primeiro. Eu ganhei a primeira rodada, e escolhi a barraquinha de pescaria. Fomos, pescamos, mas ninguém ganhou nada. Depois era a vez da Manu escolher, e ela escolheu irmos comprar algodão doce – e todo mundo gostou bastante da sugestão. E então, era a vez do Hugo, e ele disse: ' vamos ver a bicharada!'

Quando ele falou isso, eu e a Manu nos olhamos. Será que ele também aprontava muito, igual ao Xará? Ficamos ressabiados, mas fomos até detrás da lona do circo ver os bichos.

Logo vimos a jaula do elefante. Enorme, cinza, estava ele ali. Chegamos bem pertinho. O Hugo quis colocar a mão na tromba dele, e antes que nós falássemos que não podia, ele já estava com a mão espalmada no bicho. Para nossa surpresa, o elefante pareceu gostar, e ficou enrolando a tromba na mão dele. O Hugo estava com um saquinho de amendoins no bolso, e deu um tanto para o elefante. Daí que ele brincou ainda mais com ele. Todos nós quisemos brincar com o elefante também. Ficamos fazendo carinho nele um tempão e depois cada um deu um pouquinho de amendoim para ele.

O Hugo disse: 'vamos à próxima jaula', e nós fomos. Logo ao lado do elefante ficavam as focas, e elas também gostaram de nos ver ali. Jogávamos as bolas que estavam no canto da jaula para elas e elas, na mesma hora, as colocavam na ponta do focinho. Nós rimos muito com isto! Do lado de fora da jaula tinha um balde com sardinhas, então cada um pegou um peixinho para cada uma das focas. Elas mereciam, mesmo.

Já estava quase na hora de voltarmos, mas aí o Xará – sempre ele! - apontou uma gaiola que estava no canto, meio escondida.

  • O que será que tem ali? - o Xará perguntou

  • Vamos ver! - o Hugo disse.

  • Já vimos bastante coisa, vamos voltar. - respondeu a Manu.

  • Se você estiver com medinho, pode voltar. É coisa para menino, mesmo. - o Xará provocou.

A Manu ficou vermelha de raiva, e eu achei que ela fosse explodir! Mas, não. Bateu o pé firme e disse: 'vamos!' e então fomos todos ver o que tinha na gaiola.

A gaiola era imensa. Tinha umas espécies de balanços no alto, uma casinha pendurada no teto e uma outra casinha no canto inferior esquerdo. Não parecia ter nada ali. O Xará disse:

  • Será possível? Não tem bicho aqui? - e então deu um pontapé na gaiola.

No que ele deu o pontapé, a coisa mais incrível aconteceu! Saíram, ao mesmo tempo, três pombas de dentro da casinha pendurada no alto, e um coelho de dentro da casinha que estava no chão da gaiola.

  • São os bichos do mágico! - eu exclamei!

  • Que barato! - o Hugo disse. - Será que eles fazem mágica prá gente?

  • Não, tonto! - respondeu a Manu – só fazem truques com o mágico.

Poderíamos ter dado a volta e ido embora. Mas, ao invés, resolvemos brincar com estes bichos também. Eram pequenos, e estes não davam medo nenhum. Ficamos brincando um tempão. E aí o Hugo disse:

  • O que damos para eles? Não tem amendoim, sardinha, nem nada aqui para eles!

  • Eu sei! - exclamou o Xará. E, dizendo isto, tirou uma barra de chocolate do bolso.

  • Xará, acho que não é bom dar chocolate para bicho – eu disse.

  • Ah, só um pouquinho não vai fazer mal – ele respondeu.

E então o Xará tirou um tiquinho de chocolate e deu para cada um dos pombos, e outro tantinho para o coelho. Só que ele estava ali, com a mão na gaiola de bobeira, e um pombo veio e abocanhou o chocolate todo.

  • Ih, ele levou a barra toda! - o Xará levou um susto.

Em segundos, os pombos e o coleho devoraram a barra toda. Fiquei pensando se eles não teriam uma dor de barriga, mas todos pareciam estar bem.

  • Estamos atrasados, precisamos voltar! - a Manu disse.

Saímos os quatro correndo, encontramos a tia Andreia e a mãe do Hugo e entramos no circo.

O espetáculo começou e eu mal cabia em mim de tanta felicidade! Vieram os palhaços, os malabaristas, os equilibristas, a bailarina. Teve o show das focas e o elefante levantando a patinha. E então anunciaram o mágico. Eu achei que meu coração fosse saltar pela boca, de tão forte que batia.

O mágico e sua assistente se posicionaram no meio do palco e começaram o show. Ela foi serrada ao meio, ele tirou duas moedas das orelhas de ois meninos da primeria fila. E entãeo ele pegou o lenço.

Todo mundo conhecia e gostava do truque: o mágico fazia o lenço viram uma pomba branca. Ele começou a fazer o de sempre – pegou o lenço, mostrou um lado, o outro, enrolou-o, colocou dentro da manga e então... nada. Não saiu pombo nenhum! O próprio mágico parecia surpreso. Ele correu para fazer outro truque, usando cartas de um baralho. E então pegou a cartola.

Da cartola sempre sai um coelho, todo mundo sabe. Mas, ainda assim, é bem divertido de se ver. O mágico pegou a cartola, mostrou o fundo, jogou-a no ar, pegou-a de volta, meteu a mão lá dentro, e ... nada! Não saiu coelho nenhum. O mágico não conseguia disfarçar sua surpresa. A assistente veio para perto, ajudá-lo. Os dois, juntos, meteram as mãos na cartola para ver se saía algo. E então saiu.

Juntos, como se tivessem combinado, saíram as pombas e o coelhos. Só que não saíram bonitinhos como costumam fazer. As pombas saíram voando alto e rápido, dando voltas no teto do circo e indo pousar nas cabeças das pessoas sentadas na última fileira. O coelho fez pior. O colelho saiu pulando igual a um doido e foi parar debaixo da saia de uma senhora sentada logo na frente. E deu-lhe uma mordida no calcanhar! A mulher deu um grito de ' aiaiaiai -elememordeu!' e saiu correndo, com o coelho pulando atrás dela. Em menos de um minuto, todo mundo estava correndo e gritando. O apresentador deu o espetáculo por encerrado, devolveu o dinheiro do ingresso para todos e pediu muitas e muitas desculpas.

Dois dias depois eu voltei ao circo com meus pais. Vi novamente tudo que tinha visto na estreia. Mas, na hora do mágico... não teve show! Depois do elefante anunciaram o domador e então o espetáculo acabou. O show de mágica foi cancelado porque os animais foram considerados perigosos demais.

Resultado: voltei para casa, mais uma vez sem ver o meu show preferido. Eu tinha certeza que os bichos só tinham aprontado aquela confusão porque o Xará tinha dado um tantão de chocolate para eles, mas do que adiantava dizer? Já tinham cancelado o show mesmo, este ano eu ficaria sem mágica.

Depois disto, eu e a Manu fizemos um trato. Sempre que o Xará nos convidar para alguma coisa, por mais legal que pareça, a gente diz não. Se um dos dois esquecer do quanto ele apronta, o outro tem a obrigação de lembrar. Estamos tentando escapar das confusões que ele apronta, pelo menos durante as férias. Porque ficar de castigo durante o mês de julho, é dose de leão!

1 comentários:

Aretusa disse...

Eita que o Xará deixou os bichinhos elétricos!!! Dei risada, viu, cadê o povo do Circo que não viu nada?!
Beijinhos,
Aretusa, mamãe da Doce Sophia

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