0

A primeira viagem



A primeira viagem




Ele já tinha estado naquele lugar algumas vezes. Despediu-se da prima, que morava longe, quando ela se mudou. Recebeu os avós no meio do verão. Esperou, ansioso, pelo papai. Sempre que ia ali, alguém ia ou vinha. Sempre que ia ali, algo acontecia.


Reconheceu o lugar assim que saltou do carro. Estava com os pais e a avó. Quem estaria chegando? Quem estaria partindo? Do alto de seu um ano e oito meses de idade, sabia expressar-se muitíssimo bem. E o fez, tão logo se viu naquele enorme saguão iluminado: 'Aaaaaa. Eeeee. Mamãmamã.' A mãe o olhava rindo. 'É, meu filho. Pois é.' 'É o que mamãe?', ele pensava. 'Alguém está chegando ou está partindo?'

Não precisou perguntar por muito tempo. Os pais, atrapalhados, carregavam malas correndo para lá e para cá enquanto ele brincava com a avó. Logo o chamaram: 'vamos, Davi. Dá um beijo na vovó e diz: até a semana que vem, vovó!'. Ele, claro, obedeceu. 'Té. Té. Té.' E avó, com saudades antecipadas, deu-lhe um beijo estalado. ' A Vovó Teca te ama'.

Entraram os três naquilo. 'É um avião, Davi, olha!' Ele sabia que era um avião. Tinha muitos deles em casa, gostava de brincar com eles. Mas não sabia que dava para a gente entrar nele. E dava! A mãe sentou em uma cadeira com ele no colo, o pai sentou-se ao lado. Apreensivos os pais, irritado o filho. Queria pular de uma cadeira para outra, queria ficar andando pela nave. 'Quietinho, filho. Não tem cadeirinha e você precisa se comportar', avisavam, em vão, os pais.

O avião decolou com o pequeno, atento, olhando tudo. Reclamava um pouco. Os pais não entendiam sua frustração. Nem ele mesmo, de fato. Mas a altitude, a pressão nos ouvidos, o ficar preso na cadeira. Tudo isto incomoda um adulto. E incomoda imensamente uma criança.

No alto, não deu trabalho além do esperado. Queria correr, queria falar com os demais passageiros, queria brincar de carrinho. Queria tudo. E teve. Todo mundo ria do seu sorriso e ele recebeu a atenção que queria. Gostou, gostou muito.

Hora de sentar de novo, que martírio! Reclamou muito. Já estava solto, porque teria que ser novamente trancafiado no colo da mãe? Mas passou rápido, rapidinho. Olhou as nuvens, olhou os pássaros. E quando viu, já estava novamente olhando o chão. Novo saguão, novas luzes, nova gente. Cores e sabores novos. Tudo novo, de novo. Como se nascera outra vez.

Agora ele via, ao seu redor, um outro mundo. Onde não tinha Capitu, nem Valentina, nem Liz. Não tinha seus brinquedos e seu bercinho. Mas tinha muita, muita coisa para ver e conhecer.

Inúmeras outras viagens ainda viriam. E desta, a sua primeira, o tempo se incumbiria de apagar-lhe da memória. Mas, sem de saber, ele estava crescendo. E preparando-se para conhecer o mundo grande e lindo em que vive.


0 comentários:

Postar um comentário