A lagartixa implicante
Capi e Tina são duas cachorras muito espertas. Fazem truques para ganhar biscoitos, obedecem aos donos – quando lhes convém – e brincam com o bebê da casa o tempo todo. São brincalhonas e dóceis e gostam de todos os animais que passeiam por ali, das formigas às cigarras. Só não conseguiam gostar de um bicho. Uma lagartixa. Uma lagartixa implicante.
Seus donos não entendiam o que acontecia. Todas as noites, naquela casa, aparecia uma lagartixa. E as duas começavam a latir sem parar, sem motivo. Era estranho, já que só latiam para avisar quando alguém estava chegando, ou para pedir comida. Só que os donos não falam língua de bicho, só falam língua de gente. Se eles soubessem o que estava sendo falado, entenderiam a razão de tanta latição.
A lagartixa aparecia todos os dias, na mesma hora, no mesmo lugar. Olhava para as duas e humpf! Fazia-lhes uma careta. A Capi, mais esquentada, dava o primeiro latido. Daí a lagartixa, que era uma tremenda cara-de-pau, chegava bem perto dela e sussurrava: 'banguela!' É. Ela não mentia. Não nasceram todos os dentes na Capi e ela é mesmo meio desdentada. A lagatixa sabia que isso a incomodava, então insistia: 'banguela! banguela! banguela!' A esta altura, Capi já estava latindo descontroladamente, sempre. E Tina vinha em seu auxílio, ajudar no latido. Pronto. A lagartixa atacava a pobrezinha: 'cotó!' É. Ela não mentia. A Tina não tinha rabo, era mesmo cotoca. A lagartixa sabia que isso a incomodava, então insistia: 'cotó!cotó!cotó!' Pronto.O circo estava armado. As duas latiam desesperadamente, davam pulos no ar tentando alcançar aquela lagartixinha de nada, que as enfrentava diariamente.
Ocorre que as duas não conseguiam diferenciar as lagartixas. Depois de algum tempo, começaram a latir para todas as lagartixas que passassem por perto, mesmo que elas não tivessem feito nada. E as lagartixas começaram a ficar muito chateadas com aquela situação. Por conta de uma única bichinha, todas estavam levando a culpa.
A rainha lagartixa chamou a lagartixa implicante para um papo sério e disse-lhe que não dava para ela continuar com tanta amolação. Mas a implicante era danada, e disse que estava apenas brincando, que não era nada demais. E continuou implicando com as duas cachorrinhas.
Passado um tempo, uma lagartixinha pequenininha estava andando no teto quando caiu, bem em cima do focinho da Tina. Capi veio voando como um foguete, preparando-se para ajudar a amiga – e abocanhar a intrusa – quando a pequenina lagartixa gritou: 'calma aí! cuidado que eu estou aqui!'
Capi e Tina viram que aquela não era a voz da lagartixa implicante, então resolveram ouvir o que a lagartixinha tinha a dizer.
O pequeno animal explicou, tintim por tintim, que as lagartixas comem insetos, tem a pele gelada, podem perder o rabo e que gostam de cães. Contou que seu nome era Alcéia, que era a mais nova de cinco irmãs, que gostava muito de passear e conhecer gente nova. E contou ainda que a lagartixa implicante já tinha levado bronca da rainha, mas que de nada adiantara.
A lagartixa implicante era tão metida que se sentia uma crocodilinha de parede! E, por ser metidinha, achava que podia implicar com todo mundo e ficar por isso mesmo. Mas, ela não contava que Capi, Tina e Alcéia se tornassem amigas. E que, juntas, bolassem um plano.
A ideia partiu da Alcéia. O plano era simples. Quando a lagartixa implicante – que , por sinal, se chamava Zéza – se aproximasse das duas, elas não iriam latir. Iam fingir que não estavam ouvindo o que ela estava dizendo, como se ela nem estivesse ali.
Na mesma noite, Zéza veio até pertinho da casinha das duas, começou suas caretas e a gritar:' banguela! cotó!' Capi e Tina, nem tchuns para ela. Zéza continuou, mais forte: 'banguela!cotó''. As duas, nada. Zéza foi ficando impaciente. 'Banguelabanguelabanguela!Cotócotócotó!' Capi bocejou, Tina fingiu que dormia. Zéza gritou e gritou e gritou até quase perder a voz. Nenhuma reação; Capi e Tina mantinham-se imóveis. Zéza cansou e foi-se embora.
Zéza já estava chegando em casa quando cruzou com Alcéia. Foi cumprimentá-la, mas a lagartixinha fingiu que não a via. Zéza não entendeu nada. No dia seguite, ao sair, cruzou com quatro lagartixas diferentes. Nenhuma delas lhe dirigiu a palavra. Zéza resolveu falar com a rainha, perguntar o que estava acontecendo. A rainha foi dura com ela. Disse-lhe que ela tinha criado má-fama para todas as lagartixas da região e que, por isso, todas decidiram afastar-se dela, já que ela não era uma boa amiga.
Zéza era tão esnobe que respondeu que não precisava da amizade de ninguém. Só que os dias foram passando, ela começou a se sentir sozinha. A brincadeira de implicar com as cachorras tinha perdido a graça, já que elas não latiam mais. E ainda assim ela continuava, noite após noite. Até que, numa noite destas, Zéza se aproximou das duas e, antes de começar a sua pregação, Capi olhou bem nos olhos dela e disse: 'chata!' Ao mesmo tempo, Tina fez-lhe uma careta.
Zéza começou a chorar. Há dias que ninguém falava com ela! Pediu desculpas para as duas cachorras, disse que não sabia que a sua brincadeira era de mau-gosto e prometeu nunca mais implicar com ninguém. Depois disto, fez as pazes com Alcéia, com a rainha e todas as outras lagartixas do pedaço.
Hoje em dia, Capi, Tina, Zéza e todas as lagartixas são grandes amigas. Conversam, passeiam, perseguem as moscas juntas. Nunca deixaram de latir uma para as outras. Mas era por estarem brincando e se divertindo muito juntas!
2 comentários:
Nossa que legal essa histórinha, amei poxa vc é muito criativa!!! bjs!!! Elaine cailleaux
Obrigada! Com um bebê, duas cachorras e três gatinhos morando no telhado, tenho bastante gente me inspirando... Mas também gosto de conversar com todo mundo - uma coisinha que me dizem às vezes vira história, como foi o caso do 'Arthur' e da 'Dona Baratinha'. Este retorno é fantástico, pode parecer que não, mas inspira muito!
Obrigada, mais uma vez - pelo retorno e pelo carinho!
Beijos
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