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A feira de Ciências

A feira de Ciências



Esta estória toda aconteceu lá na minha escola. A minha escola é a mais perto de onde eu moro, por isso quase todos os meus amigos estudam lá também. Nem todo mundo na mesma turma, claro. Na mesma classe que eu, só a Manu e o outro Davi, que só chamamos de Xará. Na classe do lado, estudam o Léo e o Pedro. A Duda está uma série na frente da nossa – ela é a mais velha da galera – então só a vemos no recreio. E o Toninho fica de fora: estuda numa escola em outro bairro, longe pra chuchu!

Mas daí eu ia contando. Todos nós, exceto o Toninho, estamos na mesma escola. Então muitas vezes vamos e voltamos juntos. Na volta, sempre pensamos no que vamos brincar durante à tarde. É bem bom voltarmos juntos, porque daí já vamos decidindo isso e não perdemos tempo de discussão na hora da brincadeira. Fazemos isso quase todos os dias. Isto, claro, antes da feira de Ciências.

A feira de Ciências não era novidade na escola. Tinha todo ano, há muito tempo. Só que as crianças muito pequenas só participam como expectadoras. Este era o primeiro ano que faríamos uma experiência. Era assim: cada um escolhia um princípio científico e inventava algo para mostrar. Claro que os pais da gente podiam ajudar. A Duda já tinha participado no ano anterior, e o tio dela a ajudou a fazer uma pilha com um limão. Foi um troço genial, meu pai adorou, ficou dizendo que era coisa de Mc Gyver – que é um herói do tempo dele de infância que faz tudo de tudo. Todo mundo gostou muito da experiência da Duda, e ela ganhou o primeiro lugar da feira.

Todo mundo ganha uma medalhinha por ter participado da feira de ciências, mesmo se a sua experiência for bem ruinzinha. Mas o primeiro lugar ganha uma medalha de ouro, e uma faixa dizendo 'Jovem cientista: promessa do futuro.' Claro que a medalha não é de ouro, de verdade. É só pintada de ouro. Assim como a do segundo lugar é pintada de prata e a do terceiro é pintada de cobre. Mas a medalha de ouro é bonita à beça, e todo mundo quer ganhar. Então todo mundo tem que estudar bem o seu tema, preparar algo bem criativo e apresentar. E quem gagueja na hora da apresentação também tem chance, por que as professoras sabem que a gente fica meio tímido na frente de todo mundo, então a experiência conta mais do que a apresentação dela. E aí a gente não se preocupa tanto na hora de falar.

Pois bem, este era o primeiro ano que teríamos a chance de disputar pelas medalhas. Cada série tinha uma medalha de ouro, uma de prata e uma de bronze, porque não era justo alguém do quinto ano disputar com o pessoal do nono, que já aprendeu muito mais Ciências do que a gente. Era uma medalha por série, e na minha série tinham duas turmas, cada uma com vinte e três alunos. Ou seja, três crianças ganhariam as medalhas principais, enquanto as outras quarenta e três ganhariam a medalhinha de lata, que era só de participação.

Eu sempre fui bom aluno, até tinha chance de correr atrás das medalhas principais. Mas o lance é que eu não sou muito bom em Ciências. Eu estudo, tiro notas boas, mas não é a minha praia. Eu gosto de estudar História! Eu fico imaginando que sou um conquistador que vai desbravar os sete mares e descobrir uma nova terra. E nesta minha terra só vai ter criança e bicho e a gente vai poder fazer tudo que quiser: comer bananada na hora do almoço, jantar gelatina de morango e tomar picolé de uva o dia todinho! E, na minha terra, dor de barriga não vai existir. Nem cárie! Daí fazemos o que bem quisermos porque ninguém fica dodói e o dente da gente não ganha buraco! Mas, enquanto não descubro terra nenhuma, vou voltar pra minha estória.

Todo mundo queria fazer uma experiência incrível, todo mundo corria atrás do ouro. Só que só um de nós iria ganhá-lo. E, quem tinha mais chances era o melhor aluno da série nesta disciplina, aquele que amava e sabia tudo de Ciências. E, na minha série, este aluno era uma aluna. A Manu.

A Manu era bem estudiosa, tirava nota boa em tudo. Mas em Ciências, era só nota dez. Ela fazia todas as experiências que a professora sugeria, depois ainda procurava outras em livros e continuava experimentando. E não era por conta da feira, não! Ela fazia porque gostava, sempre gostou, bem antes da feira. Ela tinha até um mini laboratório, que era um estojo grandão com uns tubinhos de vidro e uns potinhos coloridos, escrito 'Meu Pequeno Químico'. O estojo dizia isso, mas daí a Manu pegou uma canetinha cor-de-rosa e puxou as perninhas dos Os, para que o estojo dissesse 'Meu Pequena Química'. Ficou meio estranho, mas ela gostava assim. E como a Manu vivia experimentando, quando anunciaram que já poderíamos nos inscrever na feira, sabíamos que a única dificuldade que ela teria seria em escolher qual experiência mostrar. E também sabíamos que ela tinha grande chances de levar o ouro para casa.

Logo no primeiro dia, nos inscrevemos na feira. A Manu foi a primeira. Escolheu o que iria demonstrar: fermentação. Eu escolhi fotossíntese. Não sei o que o Léo e o Pedro escolheram, mas quando vi a opção do Xará, sabia que ia dar problema. Estava lá, escrito em letras maiúsculas o que ele iria demonstrar. Combustão.

O Xará era fera em matemática. Sabia tudo de números, e tal. Mas penava com as aulas de Ciências, tinha dificuldade em tudo. Todos imaginávamos que ele ia escolher uma experiência bem fácil, algo que não fosse tão trabalhoso. O negócio é que desde o campeonato de bolinhas de gude o Xará andava danado com a Manu, e tinha decidido que quem ia levar o ouro para casa seria ele. A Manu tinha papado vinte e três bolinhas do Xará, e virou a campeã das bolinhas de gude. E o Xará achava que a feira de Ciências era a oportunidade dele dar o troco. 'A Manu levou minhas bolinhas, mas quem vai levar o ouro sou eu!', ele disse para mim e para o Léo durante o recreio. A gente até tentou dizer que era bobeira dele, e que se ele não tivesse sido tão enjoado, a Manu teria devolvido umas onze ou doze bolinhas dele, igual que ela fez com todo mundo. Mas o Xará tava cismado, e nem adiantou insistirmos que ele estava com a ideia fixa na cabeça.

A minha experiência era bem simples. Tão simples que quem me ajudou foi minha mãe, que sabia tanto de Ciências quanto eu. Eu coloquei uns grãozinhos de feijão em um copinho, coloquei um chumaço de algodão molhado e pronto! Foi só colocar o copinho na janela e deixar o sol agir. Daí fiz um cartaz explicando a ação do sol no crescimento e desenvolvimento das plantas. E o meu cartaz ficou bem maneiro, porque a minha mãe me ajudou também, e ela não gostava de Ciências, mas adorava coisa com arte – tinta, fita, tudo. Meu cartaz ficou todo colorido!

Todos os dias, quando voltávamos da escola, íamos contando como iam nossas experiências. Só o Xará que ficava quieto. Ele não dizia o que faria. Teve um dia que fui buscar um livro na casa dele e a mãe dele me disse que ele estava trancafiado no quarto fazendo sua experiência, e que nem ela sabia qual seria. Fiquei pensando que não era muito esperto da parte do Xará fazer a experiência toda sem pedir a ajuda do pai ou da mãe dele, mas também não quis me meter. O Xará tava achando que todos estávamos torcendo pela Manu, e não era verdade. Estava todo mundo dando o melhor de si, e torcendo para que a decisão fosse justa, só isso.

Chegou, finalmente, o dia da feira. Meus grãozinhos de feijão tinham crescido bem, estavam uma plantinha bem bonitinha – e meio fedorenta também – com umas folhinhas bem verdes de onde se via o grão de feijão aberto. Quando a professora perguntou quem queria ser o primeiro a se apresentar, quis ser logo o primeiro, porque o meu pai sempre me diz que quando temos um trabalho a ser feito é melhor fazermos logo de uma vez. Preguei meu cartaz no quadro, mostrando em gráficos coloridos a evolução do meu grãozinho de feijão. Mostrei a planta, disse tintin por tintin tudo o que tinha feito. Era uma experiência simples, confesso. Mas o resultado ficou legal, e a professora e a classe toda me aplaudiram muito e eu fiquei muito orgulhoso de ter feito um trabalho bacana.

Depois de mim, um a um, todos os alunos da minha série foram se apresentando. No final, só faltavam dois, a Manu e o Xará.

Os dois queriam ser a última criança a apresentar sua experiência. Mas, não tinha jeito: um seria o último e o outro o penúltimo. Como a professora viu que os dois queriam a mesma coisa, mandou que tirassem no par ou ímpar, para que a decisão fosse justa. Tiraram, e o Xará ganhou. A Manu faria sua apresentação antes da dele.

A Manu era muito tranquila, nem chiou. Ela pegou um prato grande, que estava coberto com um pano, uma vasilha e uns potes de plástico. Foi lá pra frente, colou um cartaz bem bonito no quadro e começou sua apresentação. Fermentação.

'A fermentação é um processo de transformação de uma

substância em outra, produzida a partir de microorganismos, tais como fungos, bactérias, ou até o próprio corpo, chamados nestes casos de fermentos. Um exemplo de fermentação é o processo de transformação dos açúcares das plantas em álcool', a Manu ia explicando. E apontava, conforme ia falando, o que estava no seu cartaz. Daí ela fez uma coisa fora de série. Pediu que todos nos aproximássemos, para ver a experiência da fermentação de perto. Ela pegou um dos potes de plástico, o maior de todos, e colocou um pouco d'água dentro dele. E então ela pegou um outro potinho, que continha um pózinho granulado marrom-claro, e jogou na água. Por último, pegou um pó branco no menor pote de plástico e jogou mais um tanto na mistura. 'Este', ela disse, ' é açúcar. Podem provar'. E todo mundo meteu um dedinho no pó branco e enfiou na boca para ter certeza, e era açúcar mesmo. Depois que ela colocou tudo no pote grande, pegou uma colher e misturou. Quase na mesma hora, o troço começou a dar uma borbulhada. Ela disse que teríamos que esperar mais um pouco, cobriu a mistura com outro pano, pediu que sentássemos e continuou a explicação dos fermentos e açúcares. E ela falava com tanta certeza, e com tanto gosto, que até eu estava bem curtindo aquela aula de Ciências. Quando ela acabou de falar tudo, pediu que nos aproximássemos novamente. Ela descobriu o pote da mistura e nos mostrou o quanto tinha crescido – ou melhor, fermentado. E perguntou:'vocês sabem o que fazer com isso?' Todo mundo disse que não, e então ela descobriu o prato grande que estava com pano. Dentro dele, vários pedacinhos de pão recheados com queijo. Todo mundo gostou e aplaudiu muito, até porque o pãozinho estava mesmo uma delícia!

Depois da apresentação da Manu, ficou claro que o Xará teria que ter feito algo de outro planeta para levar o ouro para casa. Ele estava bem confiante, levou um cartaz enorme e colou no quadro. Depois levou sua experiência, que estava toda enrolada em um papel celofane azul. Quando ele tirou o papel, vimos um vulcão, todo bonito, em marrom e vermelho, que ele colocou em cima da mesa. E todo mundo fez 'aaaaaaahhhhhh!!!!' ao mesmo tempo, porque estava bem caprichado e porque todo mundo gosta de ver um vulcão.

O Xará começou a falar da combustão, mas ninguém estava prestando muita atenção. Todo mundo queria ver era o troço funcionando, por isso só ouvimos quando ele disse ' eu vou demonstrar.'

O que aconteceu em seguida só não foi um desastre completo porque a professora estava atenta. O Xará jogou um pó preto lá dentro do vulcão, e o pó era pólvora, que ele tinha juntado catando tudo quanto era fósforo que tinha na casa dele. Era para ter saído uma larva flamejante lá de dentro, mas nada aconteceu. Então, ele jogou um palito de fósforo acesso dentro do vulcão, antes que a professora tivesse tempo de impedir. E daí: Bum! O troço fez um barulhão, voou pedaço de vulcão para tudo quanto é lado e a professora só teve tempo de gritar ' todo mundo pro chão', e todas as crianças se jogaram no chão enquanto os adultos corriam para apagar o fogo.

Claro que o Xará não levou o ouro. Levou foi uma bronca tremenda, da professora, da diretora e dos pais dele, que disseram que ele não poderia ter feito uma experiência tão perigosa sem a ajuda de um adulto. O meu pai me explicou, depois, que para a experiência dele ter dado certo, ele teria que ter usado também um tal de bicromato de amônia, mas disse também que a experiência não era para a nossa idade e que só devemos dar o passo que a nossa perna alcança.

O primeiro lugar foi mesmo para a Manu. Ela escolheu algo simples e demonstrou de uma maneira muito criativa. E todo mundo prestou atenção e gostou muito, e eu acho até que foi por isso que a professora deu a ela a medalha de ouro.

E, quanto a mim, que não tinha grandes pretensões quanto à feira de Ciências, acabei levando a medalha de prata! A professora disse que eu consegui prender a atenção da turma porque fui claro, objetivo e honesto na minha apresentação, e que a minha experiência tinha sido baseada em algo que vínhamos aprendendo em sala de aula e que eu realmente tinha entendido o espírito da feira.

Eu fiquei todo feliz de ter ganhado a medalha e a professora deu uma explicação bem convincente. Mas, cá entre nós, eu acho que ganhei mesmo a medalha por causa do cartaz colorido da mamãe.

3 comentários:

Elaine disse...

Dadá,

Adorei final surpreendente!!!! Bj Elaine

Dadá disse...

Hahahaha

Surpreende eu ter puxado a sardinha para o meu lado? Acho que não, hein... :-)

Beijos, querida!

Elaine disse...

Supreendente a Manu ter ganhado e não o Xará que estava metido a esperto..rsrs amei!! Bjs!! Vc ter puxado sardinha para vc é normal, vc merece , está perdoada..rsrs...amo as historinhas!!
Beijocas em vc e no Davi.

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