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O videogame e a pipa

O videogame e a pipa



Moravam no mesmo prédio, tinham a mesma idade e até o mesmo nome: José Carlos. Um morava na cobertura e era conhecido como Juninho, porque seu nome era igual ao do seu pai. O outro morava no playground, no menor apartamento do prédio, e era conhecido como Zeca.

Zeca tinha se mudado há pouco tempo para ali. Seu pai conseguira o emprego de zelador do prédio e eles se instalaram no apartamentinho do playground. Zeca adorava! Apesar do apartamento ser pequeno, o prédio era grande, e tinha de tudo: salão de festas, salão de jogos, piscina, sauna. Ele podia chegar da escola, ficar um pouco na piscina, tomar banho e continuar brincando no salão de jogos.

Já o Juninho tinha nascido naquele lugar, mas quase não o aproveitava. Seus pais eram médicos e passavam o dia trabalhando. Por isso, Juninho passava o dia todo na escola. Aos finais de semana, seus pais quase sempre queriam descansar, então iam todos para a casa de praia da família. Juninho adorava: os pais ficavam os dois dias inteirinhos com ele, brincando muito.

Um dia, Juninho e Zeca se cruzaram no elevador. Disseram oi, e só. Cada um foi para a sua casa e ficou pensando 'como eu nunca vi este menino aqui, antes?' No dia seguinte, nova coincidência. Eles, que nunca tinham se visto antes, se esbarraram dois dias seguidos no elevador. Desta vez, Zeca resolveu puxar papo.

  • Eu nunca te vi por aqui. Você se mudou há pouco tempo?

  • Não, eu sempre morei aqui.

  • Eu me mudei tem mais de um mês e nunca te vi!

  • É que eu estudo o dia todo. Mas agora eu estou de férias. Você se mudou para o apartamento da Joana? Ela foi morar em São Paulo e meu pai disse que iremos lá no aniversário dela.

  • Não, eu moro no apartamento do play, meu pai é o novo zelador.

  • Ah, o Seu Tião!

  • É, ele mesmo. E eu sou o José Carlos, mas me chamam de Zeca. E você?

  • Eu também sou José Carlos!

  • Você também é Zeca?

  • Não, sou Juninho, de Júnior. É que José Carlos também é o nome do meu pai.

  • Entendo.

O elevador parou na cobertura e Juninho disse 'eu moro aqui'. Despediram-se e marcaram de brincar no dia seguinte, no salão de jogos.

No dia seguinte choveu muito. O salão de jogos era todo aberto, e a mãe do Juninho disse que ele não poderia descer para brincar. Juninho explicou que tinha feito um amigo e ele estaria esperando por ele, então sua mãe resolveu o problema: 'chama seu amigo para vir brincar aqui, Juninho. Eu faço um lanche bem gostoso e vocês podem passar a tarde brincando num lugar quentinho, mais apropriado para o dia de hoje'.

Juninho correu até o interfone e ligou para o apartamento do zelador. Zeca atendeu e ele fez o convite, aceito na hora. Em menos de dez minutos, Zeca já estava dentro do quarto do Juninho.

O quarto do Juninho era enorme! Tinha de tudo: bolas de diversos tipos, uma coleção de carros antigos e outra de motocicletas. Tinha diversos jogos de tabuleiro e uma estante cheia de livros. E, em uma parede, uma tela bem grande. Juninho mostrou a tela e disse 'é para o videogame novo que meu pai de deu! Você quer jogar?' Zeca disse que nunca tinha jogado aquele videogame (ele nunca nem mesmo o tinha visto até então),mas Juninho disse que era fácil e que poderia ensiná-lo.

Juninho realmente ensinou todos os truques do jogo ao Zeca, que na segunda rodada já tinha virado craque. Os dois divertiram-se demais, iam mudando os games mas continuavam jogando. Passaram a tarde inteira assim. Na hora de se despedirem, Juninho convidou: 'volta amanhã, Zeca. Daí a gente joga mais.'

Zeca voltou no dia seguinte, e no outro, e no outro. Adorava jogar com Juninho. E Juninho também achava muito mais divertido jogar em dupla. A mãe de Juninho estava satisfeita em ver que seu filho arranjara companhia para brincar, e todo dia deixava pronto um lanche gostoso para os dois.

A mãe de Zeca também ficou feliz em ver que seu filho fizera um amigo. Mas achava que Zeca não deveria ir todos os dias para a casa do Juninho. Disse para ele: ' Zeca, convida o Juninho para vir aqui, também.' Zeca dizia que ia convidar, mas nunca o fazia. Um dia, sua mãe o chamou para uma conversa.

- Zeca, o que está acontecendo? - ela perguntou.

- O que está acontecendo o quê, mãe?

  • Por que você não quer convidar seu amigo para vir aqui?

  • Eu gosto mais de ir lá.

  • Por que?

  • Porque lá é muito maior, e tem uma porção de coisas bacanas. E tem o videogame do Juninho, que nós brincamos todo dia.

A mãe de Zeca, então, entendeu o que seu filho sentia. Pediu que ele sentasse com ela um pouquinho e disse: 'Zeca, algumas pessoas tem uma situação melhor do que as outras. Tem mais dinheiro, podem comprar mais coisas. Você pode ter tudo o que quiser, quando crescer. Seu pai e eu viemos de muito longe, você sabe. Não tínhamos estudo nenhum, tudo nosso era muito difícil. Bacana, para a gente, era ter o que comer. Você, por outro lado, já nasceu em situação diferente. Tem muitas coisas que seu pai e eu pudemos te dar. E, se você estudar, pode ser o que quiser: médico, engenheiro, dentista, advogado,músico. Pode construir uma carreira de sucesso, ganhar dinheiro suficiente para comprar todas as coisas legais que quiser. Mas, se não souber dar valor ao que você tem, nunca será feliz. Terá sempre alguma coisa faltando em sua vida, um vazio que não é preenchido com coisas que se pode comprar.'

Zeca ouvia sua mãe com atenção. Ela parecia muito sábia, neste momento, mais do que ele jamais percebera. Ela continuou.

  • Deixa eu te perguntar uma coisa. O que você mais gosta no videogame do Juninho?

  • Eu gosto quando nós temos que atacar os alienígenas e aí...

  • Sim, nós.

  • Nós, o que, mãe?

  • Meu filho, você gostaria tanto do videogame se tivesse que jogar sozinho?

  • Não, mãe, o jogo é em dupla.

  • Então, meu filho, aprenda isto: não importa o brinquedo, contanto que você tenha um amigo com quem dividi-lo. Se o Juninho é mesmo seu amigo, tenho certeza que ele vai ficar feliz em brincar com você aqui em casa, mesmo sem o videogame.

No dia seguinte, Zeca chamou Juninho para brincar em seu apartamento. Mostrou-lhe seu aviãozinho de madeira, sua bola grande plástico e seu brinquedo favorito, uma pipa. Juninho disse que nunca tivera uma pipa e então Zeca sugeriu que eles fizessem uma para ele. Pegaram as varetas, papel de seda, sentaram no chão e fizeram uma pipa toda colorida. Quando acabaram, pegaram as duas pipas e foram empiná-las. Passaram a tarde brincando com as pipas, divertindo-se muito – especialmente Juninho, que nunca tinha empinado uma pipa antes.

Agora, Zeca e Juninho dividem seus dias. Quando está sol, saem para empinar as suas pipas. Quando chove, jogam o videogame. Passam os dias juntos, divertindo-se com as brincadeiras favoritas dos dois, como dois amigos de verdade devem fazer...

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