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O menino curioso

O menino curioso



Quando ele nasceu, um anjo não mandou que ele fosse gauche na vida. Também não mandou que ele fosse droit. Disse apenas: siga o seu caminho. E assim ele o fez, desde sempre.

Chamava-se Felipe, e era o caçula de três irmãos. Não digo menor porque não havia menor naquela família – todos eles eram grandes. Mas era o mais novo. E também o mais curioso.

Desde criança tivera uma curiosidade infinita. Sobre tudo de tudo. Não conseguiu nunca fazer as coisas simples. Sempre queria o inverso das coisas. Sempre queria o mais difícil. Sempre queria o que ninguém tinha.

o que fosse esnobe e quisesse coisas caras, ou algo assim. Pelo contrário – quase sempre queria o menos caro de tudo! Mas, nas suas mãos, tudo se transformava, muitas vezes em coisas absurdas. Deixou a casa sem cadeiras quando, junto aos irmãos, resolveu transformá-las em carrinhos de rolimã. A mãe ria. 'Quanta criatividade!' E o menino curioso continuava explorando o universo ao seu redor.

Gostava de ser diferente. Pelo puro prazer de sair do lugar comum. Enquanto todos na rua queriam jogar futebol, ele jogava basquete. Quando a turma resolveu começar a jogar basquete, mudou para o volley. Quando seus amigos resolveram formar um time de volley, comprou uma bicicleta para sair por aí... Caminhava sempre na direção oposta. Gostava disto de ter seu próprio caminho.

Mesmo seguindo o seu caminho, fazia amigos com facilidade. Talvez pelo largo e honesto sorriso. Talvez por ter tantos e tantos interesses que sempre tinha papo com todo mundo. Gostava de música e de cinema, de literatura e de luteria, tocava violão e bateria. Era sempre movido pelo porquê das coisas. E, por toda a vida, tudo o que fez, fez apaixonadamente.

Ele apareceu muito cedo na minha vida. Era um belo rapaz, e eu pouco mais que uma menina. Nos tornamos, desde o primeiro momento, alguma coisa. Não éramos namorados. Não éramos amigos. Não éramos colegas. Éramos alguma coisa que ainda iria acontecer, duas pessoas, que constantemente se esbarravam por aí, sem nenhuma razão de ser. E que gostavam de se esbarrar.

Durante anos eu o vi por breves momentos, sempre como se déssemos um encontrão um no outro: 'você, por aqui?' “há quanto tempo, tudo bem?' E não mais do que palavras gentis e sorrisos abertos. Dos dois lados. Como se em algum lugar alguém estivesse programando estes encontros. Como se estivéssemos sendo atraídos um para o outro, mesmo sem saber.

Mas um dia o esbarrão ocasional esqueceu de acontecer. E ficou assim, esquecido, durante anos. Sumimos um para o outro e cada um seguiu seu rumo, esbarrando em outras pessoas.

O menino curioso tornou-se um homem decidido, mestre na arte em esconder sua timidez. E foi assim que, sempre trilhando seu próprio caminho, resolveu esbarrar em mim outra vez.

Não estava inteiramente feliz com as pessoas que cruzavam seu caminho. E achava que poderia ter alguém especial com quem conversar. Alguém que o esquentasse numa noite fria de junho. E assim foi que aconteceu de ele me procurar. Mas não encontrou a pessoa alegre com que esbarrou durante tanto tempo. Encontrou um coração partido.

Talvez se fosse outra pessoa, esta história terminasse aqui. Mas aquele menino, que sempre gostou do inverso das coisas, achou graça naquele coração partido. Lembrou-lhe os quebra-cabeças de sua infância e rindo, decidiu colocar as peças de volta no lugar. E como tudo o que fazia, fazia apaixonadamente, ia deixando, em cada pecinha, um pedacinho seu. Até que, no final, o coração estava pronto. E não era o meu coração e não era o dele. Era um só coração que ele cismou de juntar!

O menino curioso, que faz as coisas com paixão, continuou seguindo o seu próprio caminho. Agora, no entanto, não seguia mais sozinho. Tinha alguém a seu lado. Tinha alguém que o amava – ama! - mais que tudo, e que queria estar ali. Porque não conseguia imaginar lugar melhor do mundo do que estar dentro do seu abraço.

A forma de viver pouco mudou dos tempos de menino. O menino curioso, agora já homem, continua exercendo sua curiosidade. Continua fazendo tudo apaixonadamente. Vive sua vida na intensidade máxima, contagiando quem está ao seu redor. E passa adiante sua cisma do inverso, do porquê das coisas, numa pessoinha que segue os passos do pai.

E eu, que ao reencontrá-lo não sabia o que esperar, hoje entendo o porquê de tantos esbarrões. Ele voltou à minha vida na hora exata, no momento certo. Para que juntos pudéssemos caminhar, lado a lado, seguindo o nosso caminho. Que não é gauche e nem droit na vida, porque gostamos muito de sair do lugar comum. Este caminho sinuoso e feliz, que deixa, por onde passa, um rastro de amor...

3 comentários:

Elaine Cunha disse...

É, amiga! O amor esta em cada palavra escrita, em cada linha formada!
Parabéns ao Felipe! Parabéns a você!
Parabéns a linda família construída no amor.
beijos,
Laine

carol disse...

Eneida,

História linda e melhor ainda é vê-los juntos sempre em harmonia e delicadeza um com o outro. É um exemplo para os casais de como é importante o cuidado mútuo e nunca perder a gentileza.

Muita saúde para o Felipe, meu cunhado criativo e único !

Bjos,
Letícia

Flavia Bernardo disse...

Eneida,
que historinha linda!!
Adorei! Maridão deve estar todo orgulhoso!
Felicidades pra ele, pra vcs!

bjks

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