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O pinguim da geladeira

O pinguim da geladeira



Não se sabe ao certo desde quando ele estava ali, nem quem o comprara. Não se sabe nem se ele tinha sido comprado, se tinha sido presente, se o tinham achado na rua. Há tanto tempo estava ali que já não lhe prestavam atenção. Era o pinguim da geladeira.

O pinguim da geladeira era um pinguim preto e branco, engraçadinho que só ele. Vivia empoeirado, porque não lhe davam pelota e o deixavam ali esquecido. Até que alguém mudou a vida do pinguim.

O bebê da casa já não era mais tão bebê assim. Caminhava estabanadamente, mas caminhava sozinho. Falava, numa língua quase incompreensível, mas falava. E prestava atenção a tudo, a todos os detalhes, a todas as pequenas coisinhas da casa. E prestou atenção ao pinguim. Um dia no colo do pai, o apontou e gritou, feliz: 'ieiii!!!' O pai achou graça na reação do filho e disse: 'é um pinguim, Beto, é um pinguim de geladeira. Você quer?' E o bebê Beto esticava as mãozinhos eufórico 'ieii, ieii, ieii!!!' Tornaram-se, imediatamente, os melhores amigos do mundo!

Conforme crescia, Beto já andava com mais desenvoltura, e conseguia carregar o pinguim para cima e para baixo, como se fosse um pinguim de pelúcia. Sua mãe, preocupada, brigava com os dois – o bebê e o pai. ' Beto, cuidado, você vai quebrar o pinguim! Está vendo o que você foi arrumar? Por que tinha que ter dado este troço pro menino?' Todo dia a mesma ladainha. E o Beto, com cuidado, levava o seu amigo embora, dizendo 'liga não, eu não vou te quebrar nunquinha!'

Os pais achavam estranho o menino conversar com o pinguim: 'o que os outros vão pensar?', repetiam. Beto não ligava. Sabia que o pinguim podia ouvi-lo, sentia isto. E estava certo.

O pinguim, que se chamava Martim, ficou muito tempo em cima da geladeira, observando aquela família. Não tinha como falar nada, mas se falasse não teria muito do que reclamar. Era muito amigo da Dona Geladeira, com quem conversava dia e noite sem parar. Só tinha uma reclamaçãozinha a fazer – queria tomar banho! Sempre esqueciam de lavá-lo, e aquilo o incomodava prá burro. Não gostava de se sentir sujo. Mas desde que Beto o tirara do alto da geladeira, isto não era mais problema. Beto o arrastava pelo chão acarpetado, então ele acabava ficando mais limpo. E a mãe de Beto, preocupada com o filho estar sempre com o pinguim do lado, passou a lavá-lo, em água corrente, dia sim, dia não. Para Martim, aquilo era a glória: ficava limpo e ainda se refrescava!

Martim, o pinguim, entendia tudo o que Beto falava. E entendia também o que Beto sentia. Beto queria que Martim fosse um pinguim de verdade. E Martim, se pudesse falar, diria ' Beto, eu quero ser um pinguim de verdade, sim. Mas acho que isto não vai acontecer...'

Beto crescia rapidamente, e Martim acompanhava tudo. Divertiam-se muito, os dois. E a mãe de Beto, sempre atrás: 'cuidado para não quebrar este pinguim e se machucar!'

Até que um dia, aconteceu. Beto deixou Martim em cima da mesa e Lalita, a cachorrinha da casa, derrubou-o no chão. Poft! O pinguim se partiu ao meio. Ao ver aquilo, Beto teve uma crise de choro. Chorou tanto, e tão sentido, que seus pais disseram que dariam um jeito. 'Eu colo o Martim de volta, Beto, você nem vai ver que ele quebrou!', garantiu o pai, indo buscar a cola. A mãe consolava o filho ' tá tudo bem, Beto, o papai e a mamãe vão resolver isto, fica calmo, filho!'

O pai voltou com a cola, e já ia começar a emendar quando Beto deu um pulo e disse: 'espera aí!' Os pais de Beto o olharam assustados, mas nem puderam dizer nada. O menino saiu voando igual a um foguete em direção ao quarto, onde procurou, no meio dos seus brinquedos, algo que pudesse dar vida ao seu pinguim. Achou.

    • Pronto, papai. Bota isto dentro do Martim e então pode colar bem coladinho!

    • O que é isto, Beto? É um...

    • Um coração!

    • De onde veio isto, Beto? - perguntou a mãe, rindo.

    • Do meu brinquedo de encaixe. É um coração de plástico, mas vai servir. Bota, pai!

    • Está certo.

O pai colocou o coração dentro do Martim e o colou bem coladinho. Quase não dava para ver que ele tinha quebrado. E então, a mãe do Beto pegou um pincel e duas tintas, uma branca e outra preta. Pintou em cima de onde tinha sido colado. Tão logo secou, dava para ver o Martim perfeitinho, como se jamais tivesse quebrado. De diferente, só o tec-tec-tec que o coraçãozinho de plástico fazia quando o Beto levava o Martim debaixo do braço.

E aí o impossível aconteceu, sem que ninguém soubesse como. Numa noite de chuva, com muitos raios pelo céu, Beto estava muito assustado. Resolveu colocar Martim com ele na cama, para não ficar sozinho. E então trovejou muito forte e de repente um raio caiu bem pertinho da janela do quarto de Beto. Ele agarrou Martim e, de repente, sentiu algo. Não era mais o tec-tec-tec. Sentiu tum tum-tum-tum. O coração de Martim começar a bater e ele ganhou vida!

Beto e Martim se abraçaram, emocionados. Passaram a noite em claro, conversando. Martim agradeceu a Beto a tudo o que fizera por ele, e disse que foi o seu amor que o trouxe à vida. E que, agora que estava vivo, queria sair e conhecer o mundo. Martim ficou muito feliz por seu amigo. Despediram-se, já com saudades antecipadas que sabiam que teriam um do outro.

Martim continua viajando pelo mundo, sempre em busca de novas aventuras. A cada lugar que vai, manda um postal para o Beto. Volta para vê-lo sempre que pode, trazendo presentes e contando histórias dos lugares que visita.

E Beto continua crescendo. Tem uma porção de amigos, já que é um menino legal. E trata a todos com muito carinho. Especialmente aqueles que são meio calados, meio tristinhos. Aqueles que são meio pinguins de geladeira. Estes, mais do que todos, precisam de muito amor para ganhar vida e valorizar o tum-tum-tum que tem dentro do peito...

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